Seguir a correnteza
Estou remando contra a minha correnteza. O universo me dá sinais disso. Sou ótima para ler esses sinais, mas péssima para ter coragem de tomar atitudes quanto a isso. Meu corpo sofre por se esforçar demais para seguir contra a correnteza: a cabeça queima, formam-se nós musculares quase indissolúveis, as olheiras escuressem meu olhar, as rugas amassam minha face numa velocidade acelerada, meus cabelos tombam, meus dedos calejam, as celulites inflamam cada vez mais pelas minhas nádegas e, apesar de tudo, eu continuo me esforçando contra a correnteza.
Não seria mais fácil deixar o corpo boiar, seguindo o curso natural, curtindo a vista para o azul do céu com pássaros voando ou com a vista para a magnitude do oceano, curtindo cada detalhe do caminho, deste caminho chamado VIDA? Talvez venha uma queda d’água pela frente (talvez não, ela virá!), mas não seria mais fácil, quando ela se aproximar, trilhar para a margem do rio, subir para terra firme, caminhar margeando o rio, seguindo seu fluxo, e depois, passada a queda d’água retornar então para a correnteza e continuar seguindo o fluxo? Inevitavelmente, mesmo remando contra a correnteza, uma hora a queda d’água se aproxima, pois o corpo cansa. Porém, um corpo cansado pode não ter mais energia para nadar até a margem quando isso acontecer, se deixando ir na primeira queda avistada. Não seria mais tranquilo e prazeroso poupar a energia para o momento crítico e ainda por cima curtir o caminho? Sim, logicamente. Contudo, largar o corpo e deixá-lo fluir dá medo, pois a gente acaba seguindo em direção a queda d’água. Mas ela é a única certeza que temos, assim como a morte: ela vai chegar, remando ou não contra. Temos 2 opções: (1) simplesmente lutar contra ela sem nada curtir do percurso e se entregar por completo quando ela se aproximar, pois teremos o corpo exausto; ou (2) curtir o percurso, admirando toda a sua beleza e, quando a queda se aproximar, ter força para curtir um trecho de terra firme, paralelo ao seu rio, margenado-o, até retornar para ele e voltar a deixar o corpo solto e a mente aberta. Em algum momento, o corpo que segue o fluxo do rio também vai enfrentar de fato a queda d’água, assim como o que remou contra o fluxo, a diferença é que o corpo solto enfrenta a queda com alegria, vivendo a emoção e a adrenalina que ela proporciona, enquanto o corpo duro simplesmente cansa e se entrega a ela.
Quero ser corpo solto, seguir meu fluxo, eventualmente seguir pela terra firme, vivendo também as emoções que a terra traz e, um dia, curtir com alegria a queda d’água. Mas tenho medo. Não fui ensinada a ser corpo solto, “ser corpo mole é errado, é entregar os pontos, é ser vagabundo”. Sei pensar fora da caixinha e entender que entregar os pontos na verdade é ser corpo duro, mas ainda assim, ainda não consegui me deixar seguir pela minha correnteza. Preciso soltar o corpo e soltar a mente. Quando o corpo e a mente relaxarem, naturalmente vou descobrir qual é a minha correnteza e o quão belo é meu caminho. Amém.