Asfixia

Eu. No carro. Sessenta minutos. Uma hora. Meia hora. Vinte e três horas de uma sexta-feira. No banco do passageiro decido permanecer. A porta do carro se fecha, e a porta da casa se abre. E fecha. Mas eu permaneço aqui. E não sairei. Seria melhor passar a noite aqui. Todas as noites. É tão seguro... Lembro de um rapaz torturado por militares que foi obrigado a inalar dióxido de carbono. Seus pulmões ficaram como os de um fumante, e foi torturado até a morte. Isso me pareceu terrível. Mas se eu estivesse em uma garagem fechada, para mim seria mais ameno. Mas agora está chovendo. A única chance seria deixar as janelas fechadas e re-inalar o ar que respirei. Está tão lindo lá fora. As luzes avermelhadas no ar escuro-azulado-nublado. Está frio lá fora e tão quentinho aqui dentro... É bom sentir a solidão que você sabe que existe. Mas precisava sair para ver se alguém sentia minha falta. Sim... eu sentia falta de mim. A falta de não estar com algo em mente. A sobra de ter muita vida pela frente. A ausência de algo importante. O supérfluo que acho tão desnecessário. O desnecessário que é interessante. Tudo isso faz parte de um nada chamado "razão de estar aqui". Um dia não estarei mais aqui. E talvez nisso haja lógica. A explicação que não foi conhecida hoje, e a vontade que não foi satisfeita. Minutos após minutos de desejos não realizados. Eu apenas espero que mais minutos se acumulem sem que eu não faça nada por mim. Em busca daquilo que eu mais queria no momento, acabei arrastando para baixo o que estava em equilíbrio, ou, pelo menos, parado. Nem quente, nem frio: morno, sem graça. Sem agitação; mas sem emoção. Ou com emoções diferentes. Mas eu, .... eu não consigo. Se não estiver nem quente, nem frio, estou entorpecida. Estou gastando dias; gastando vida. Gasto as vidas dos outros, mas de uma forma diferente. Talvez ficassem mais seguros em temperatura ambiente. Mas sempre tenho uma temperatura diferente de todos. Uma pena que a vida não pode ser como um carro no meio da chuva às vinte e três horas de uma noite de sexta-feira. Se fosse, talvez eu nunca saísse.