SONHOS DE MENDIGO
Lá esta aquele mendigo miserável!
Até hoje eu ainda não consegui entender o que este infeliz vem fazer á porta de minha casa todos os dias.
Eu mesmo ainda não o havia visto por aqui.
Meus criados é quem me dão sempre notícias dele.
Sempre dizem que ele pergunta por mim, quando vem aqui buscar os restos que sobram de minha mesa.
Eu não o conheço, nem pretendo perder meu tempo com ele.
Veja só como ele se sente bem em comer as migalhas que caíram de minha mesa!
Eu francamente não consigo entender a razão de tanto apetite diante a este lixo que eu não daria nem a meus cães.
Será que ele não teria outra ocupação senão vir aqui me incomodar em busca de comida?
Caso ele persista em vir aqui eu não pensarei mais que uma vez e soltarei nele meus cães de guarda.
Certamente uma só vez bastará para que ele não volte mais aqui.
Assim, enquanto eu o repreendia, através de meu olhar duro e meus pensamentos ríspidos, ele veio em minha direção e olhando-me de perto com um olhar profundo e piedoso, fez com que eu ficasse totalmente desarmado.
E antes mesmo que eu o expulsasse das redondezas de minha casa, ele avançou um pouco mais e disse-me:
-Senhor, eu aqui venho sempre á sua procura, porém seus criados nunca me deixaram entrar.
Hoje felizmente eu o vejo e poderei então lhe dizer.
E antes que este concluísse o que tinha para dizer, eu o censurei.
-Olha, eu acho melhor você ir embora antes que se arrependa de ter vindo aqui me incomodar.
Eu não o conheço, bem como não tenho nada do que falar com você.
-Mas senhor, insistiu o infeliz, Lazaro pediu-me que eu viesse até aqui com o intuito de recolher o que cai de sua mesa, para que assim, eu o pudesse ver e lhe falar o que ele pediu para que eu o falasse.
-Lazaro?
Quem é esse Lazaro?
Não conheço ninguém com esse nome e nunca ouvi falar desta pessoa!
-Bem, continuou o mendigo, Lazaro foi um pobre coitado assim como eu, que sempre vinha aqui nesta sua suntuosa mansão em busca dos restos e migalhas que caiam da farta mesa de seu irmão mais velho.
Mas, porem, com o corpo totalmente coberto por feridas horríveis que o fazia sofrer amargamente.
O mesmo mendigo, que seu irmão ordenou aos criados, que fosse atacado por seus cães de guarda, em uma noite muito fria de inverno.
Porém, meu senhor, os cães ferozes ao se aproximarem de Lazaro, não o atacaram, mas lamberam lhe todas as suas feridas limpando ás de seu corpo, que lhe foram curadas naquela mesma noite, quando o senhor era ainda muito criança.
Hoje, porém, ele pediu-me que eu o procurasse para lhe salvar do grande mal que o ladeia, antes que seja muito tarde e o senhor venha perecer como seu falecido irmão.
-Ora vê se te enxerga seu miserável.
Quem é você para falar assim de meu irmão falecido á tantos anos?
Como você sabe de tudo isto?
-Bem, meu senhor, eu aqui venho a pedido de Lazaro que se encontra em um lugar repleto de muita luz e muita paz.
Um lugar reservado àqueles, que passaram por esta vida sem nenhum reconhecimento, e sempre foram explorados, escravizados e criticados por toda a sociedade.
Pessoas que não tem direito a uma vida digna, sem oportunidade de trabalho, sem moradia, sem tratamento médico e tantas coisas que sempre levam os mais necessitados a vir buscar nos lixos, um pouco de tudo que lhes são furtados em suas vidas.
Por favor, ouça o que tenho a lhe dizer, deixe me curar lhe as suas feridas antes que lhe seja bastante tarde.
Pode ser que o senhor não tenha como se salvar.
-Ora essa, deixe de ser insolente seu miserável, como assim, curar minhas feridas, se me encontro em plena saúde e sem nenhum problema?
Você deve estar é louco, isto sim, você é um louco.
Por acaso você é algum curador, vidente, ou ainda quem sabe algum tipo de salvador?
Por que de médico você não tem absolutamente nada.
-Meu senhor, eu não estou me referindo á sua saúde física, pois a mesma se encontra ótima.
Eu venho para lhe curar às feridas de sua alma que se encontra cada vez mais, se proliferando com seu egoísmo, sua indiferença, sua incompreensão, sua desumanidade, seu desafeto, falta de amor ao próximo e tantas outras coisas que estão se espalhando por todo seu coração petrificado e gélido.
Eu reconheço que o senhor na realidade, no fundo do seu interior, não é realmente o que demonstra ser perante a sociedade, pois o senhor tem um coração mais nobre do que o que deixa transparecer, porém, esta sociedade que a tudo devora com uma grande ganância é o que o faz se apresentar desta maneira enquanto por dentro o senhor é um homem muito nobre e piedoso.
Caso o senhor se recuse seu fim será idêntico ou pior ao do seu irmão que hoje padece amargamente em outra vida muito além deste mundo que vivemos, sem ter se quer uma gota d’água para lhe refrescar a ponta da língua, que tantas vezes proferiu ordens de destruição por obter grande poder e ocupar cargos de altos níveis na sociedade.
-Como você sabe de tudo isto?
Quem é você na realidade?
Eu sempre lhe evitei e nunca quis lhe receber, porém, o que me dizes tem muito a ver com meu irmão falecido há alguns anos atrás.
Pois bem, o que você quer de mim, ou o que você quer que eu faça para lhe ajudar?
E assim, esse por sua vez, então me disse que eu deveria amar mais que ser amado, doar mais e exigir menos, consolar mais que ser consolado, secar as lágrimas e não fazer com que as mesmas fluam dos olhos e risquem os rostos infelizes e carentes de tudo que na vida possa haver.
Ainda disse para que eu vendesse tudo o que eu tinha e que repartisse com os mais necessitados.
Eu francamente achei tudo isto um grande absurdo, apesar de muita coisa estar certa , de tudo o que ele me falou naquela noite.
Porém, quando eu ia contestar, alguém que passava pela mesma calçada, onde eu havia deitado e adormecido na miséria e fome, acordou-me carinhosamente, pegou-me pela mão e me ajudou a levantar daquele chão tão duro e extremamente frio.
Por fim já erguido, este Ser caridoso, olhou-me com profundidade, bem dentro dos olhos e disse-me:
-Meu querido filho, um homem nunca pode deixar ser levado pelas desilusões de sua vida, mas encará-las com força de vontade, com determinação, com coragem e positividade, pois, só assim, você conseguirá o sucesso almejado.
Nunca desanime de você mesmo, lute, mas lute com todas as suas forças, com todas as suas armas, com todo o seu vigor.
Acredite em você mesmo, nas suas possibilidades, pois ninguém mais a não ser você, poderá lhe ajudar a encontrar o bom caminho.
Nunca se deixe cair pelo chão, você deve obter um pouco mais de resistência em se mesmo, pois eu o criei a minha imagem e semelhança.
Saiba que Eu caí por três vezes em minha dura caminhada por esta vida, onde muitos me condenaram injustamente, e, no entanto eu consegui me reerguer e hoje volto para lhe dar a mão, que apesar das chagas abertas, ainda encontram resistências para lhe ajudar a levantar de suas dificuldades.
Por favor, Eu o criei para que você viva em paz e que seja eternamente feliz nesse universo que projetei com muito amor e carinho para lhe satisfazer todas as suas necessidades.
Eu não o criei para ficar caído no chão, nem tampouco ficar flutuando pelo espaço, mas para que você saiba balancear sua vida na dosagem certa, com amor, com forças, com mais alegria e mais harmonia.
Que tendo os pés firmes neste chão, você possa compreender da melhor maneira possível, os sinais que lhe envio do alto, e tendo uma cabeça mais aberta para refletir sobre tudo que acontece a seu redor, você saiba administrar melhor todos os seus atos, para que você não venha sofrer inutilmente com tantas coisas banais que possam lhe deixar frustrado ao ponto de desistir de se mesmo.
Acredite mais em você, seja persistente, tolerante com os que não sabem o que dizem, pois quem fala o que não conhece acaba revelando ao mundo toda sua ignorância.
De todo esse universo que criei, você é a criatura a que mais me preocupei em aperfeiçoá-la.
Por isso lhe dei tudo que achei de melhor para que você pudesse viver uma vida plena e realmente muito feliz.
Porém, você não a está usando adequadamente.
Vive destruindo todas as plantas dos meus jardins, fazendo com que o verde da esperança que lhe depositei, se transforme em cinzas, crateras, erosões e secas, provocando o desvanecimento de tudo.
Você destrói rios, mares e oceanos com incalculáveis números de vidas, simplesmente pra ter mais e mais.
Sua ganância aos poucos esta lhe consumindo e você se torna incapaz de ver toda à realidade do que finda á sua volta.
O ar puro que lhe dei já esta quase que irrespirável, e tudo isso, sem contar a inteligência a qual eu lhe dotei para criar condições de salvar vidas, e você fez tudo ao contrário.
Matou inúmeros de seus irmãos, sacrificou milhares de meus animais, e destruiu o sorriso alegre de milhões das minhas crianças, matando ás inocentemente á sua frente em agonia e suplicando lhe para que as deixassem viverem em paz, e você não perdoou a nenhuma delas.
Tudo fiz para que você me percebesse no rosto dos prisioneiros, nos sorrisos dissimulados e sofridos das prostitutas, nos olhares famintos dos mendigos, nos corpos cansadas dos idosos, na dor profunda dos hospitalizados, dos doentes (...).
E quanto mais eu lhe procurava, mais ainda você, fugia de mim, sem me dar nenhuma atenção.
-Mas, eras Tu Senhor?
Naquele dia em que olhei para trás e avistei somente um par de pegadas, imaginei que o Senhor havia se esquecido de mim, e houvesse me abandonado!
Assim resolvi esquecer-me de tudo, principalmente de mim, que não valho nada nesta imensidão sem o Vosso misericordioso amparo.
-Engano seu, meu amado filho, todos tem um grande valor, basta que cada um saiba se encontrar, se valorizar e viver em sintonia primeiro consigo mesmo, depois com os que o rodeiam.
Eu nunca o abandonei, sempre estive á seu lado, e mais ainda em seus momentos de dificuldades.
Você sim, nunca soube me encontrar em sua vida e hoje se vê caído desta forma tão triste.
Erga sua cabeça, olhe o horizonte, segure á mão do novo sol e siga em paz o que ainda lhe resta para viver.
Neste momento de muita alegria, contentamento e reconhecimento de todos os meus atos que não foram para o bem da humanidade, eu em lágrimas pedia lhe perdão por tudo de errado que havia praticado, e assim o abracei fortemente.
Neste exato momento acordei com o toque da campainha rasgando a madrugada me chamando dentro da noite.
Naquele dia anterior, antes que eu fosse ir deitar, o tempo havia escurecido muito, por grossas nuvens e àquela hora em que acordei com o chamado da campainha, caía um forte temporal com muitos raios e ensurdecedores trovões.
Assim, quando abri a porta para ver quem era, foi que pude perceber a presença de uma criança, de aproximadamente seis anos de idade, maltrapilha, faminta e com uma sacola surrada nas mãos, e dirigindo-me a palavra disse-me:
-Senhor, estou com fome. Por acaso o senhor não tem alguma coisa para me dar?
Pode ser qualquer coisa, um pedaço de pão, um copo de leite, um resto de comida, qualquer coisa, moço, pois estou com muita fome.
Não tenho para onde ir, nem tenho ninguém por mim.
Nova Serrana (MG), 10 de janeiro de 2007.