Sobrevivi

Passos curtos mediante a escombros e lamaçal, pegadas deixadas para trás em um caminho sem volta, está tão escuro não consigo enxergar, e coisas, objetos, não sei, parecem me perfurar e rasgar a pele adentrando em minha carne...

O meu sangue parece florescente pois a milhas de distância de mim eu consigo enxergar o rastro que ele deixou até aqui, e eu não posso parar, pois me afogaria em minha própria poça.

Sussurros de milhares de vozes em meu ouvido, tentando fazer com que eu venha duvidar do soberano a ponto de usar minhas próprias roupas para enrola-las ao redor do meu pescoço. O desespero toma de conta do meu eu, e eu não consigo cessar as centenas de lágrimas que escorrem no meu interior, minha voz foi calada pelo cansaço e desistência, mas meu espírito nunca se cala, ele grita noite e dia por socorro, eu não consigo mais...

Estou me perdendo dentro do meu próprio eu, em meu peito está sendo transformado um grande e forte labirinto onde não consigo me salvar, e dói, me dói, perfura, machuca....

Os meus passos me levam a um grande lago de imperfeições, onde me afogo constantemente até desistir de sobreviver e ser levado as margens para não morrer pelo meu ódio.

Ter lutado esse tempo todo para perder as batalhas e a guerra, tentar me encaixar em lugares que não são para mim, tentar ser visto pelo mundo, mas como se sou tão pequeno em uma multidão, um grão de areia no deserto, uma gota de água no oceano... Não existe bondade, aqui dentro prevalece a solidão onde a mesma divide lugar com as lembranças que me fazem querer voltar todos os dias para o passado, ou até mesmo para a morte.

O que pode se esperar de mim cujo coração já se cansou de bater? Onde meus olhos se fecham para dormir e meu maior desejo é que nunca mais os abra.

Deitar em minha cama, e imaginar meu corpo parado e duro, sem força, sem sinal vital, sem o tórax com sintomas de respiração, me traz paz?

Me jogaram aos escombros, e lá me deixaram ferido e angustiado, me deixaram para morrer, mas milagrosamente eu sobrevivi, com a vontade do Soberano em um propósito nunca alcançado. Sobrevivi em meio as feridas putrificadas, em meio a fome a cede, em meio a solidão.

Durante muitas noites deitado no chão eu clamei pela morte, eu implorei pelo fim, com anseio da morte mas sem coragem de desapontar o Soberano, não executei meu desejo.

Sobrevivi contra vontade, mas conforme o tempo foi passando, a solidão me transformou em um monstro, talvez uma fera ferida, onde jamais deixarei se aproximarem de mim os mal feitores, os mentirosos e os perversos, pois a minha dor juntamente com a solidão me tornaram dez vezes mais mal feitor, mentiroso e perverso que todos juntos, por isso não vou deixar que me levem aos escombros novamente beirando a morte sem poder tê-la.

Poucos tem o melhor de mim, mas até quando? Teria meu apreço aquele que cravasse um punhal em meu peito e acabasse com essa agonia e torturante dor.

E que o Soberano me leve para o lado dele.