Algo está errado nesta vida.
Eram duas horas da manhã, a Lua estava alta no céu, e minha vida não fazia sentido. Olho para a imensa selva de concreto que se ergue a minha frente, mas penso no quanto ela é vazia e insignificante. Olho a maior prova de intelecto, e penso no quanto me parece burrice.
Nessa janela no último andar, o cigarro aceso entre meus dedos é minha varinha de condão com que crio o mundo diante dos meus olhos, e pareço ser uma entidade mais distante de Deus que um demônio, pois crio e observo um mundo deplorável. Este mundo que observo é um lugar selvagem, corrosivo como ácido sulfúrico, nocivo como enxofre. Um mundo onde os bons são punidos pelos atos dos maus, e os maus são vistos como semideuses enquanto não passam de falsos profetas vomitando blasfêmias na boca dos ignorantes. Regido pela maioria que tapa os olhos diante da escuridão; vivo no inferno que eu mesmo, inconscientemente, escolhi construir.
Viro-me para traz e me dou de cara para um espelho na porta do guarda-roupa. Olho no fundo dos meus olhos, e não vejo nada. É como olhar para uma casa com as luzes acesas, mas sem ninguém dentro.
Deito e passo a noite acordado, me sentindo eternamente preso, não no quarto, e sim nesse mundo, nesse enorme aterro sanitário superlotado, com ratos se sentindo reis sem notarem que vivem no lixo.
Ao amanhecer, saio na rua. O centro está cheio e poluído. As ruas estão cheias de papéis, panfletos, copos descartáveis, sacolas rasgadas e restos de comida. O ar está poluído, denso, devido aos gases que saem da fumaça preta e imunda desses carros. A cada minuto dezenas de pessoas passam por mim, como a água de um rio passa por uma pedra. Cada pessoa é igual a outra, iguais as centenas do outro lado da rua, todos com expressões sérias, como se tivessem algo relevante para fazer nesta vida desnecessária.
Ando em meio a elas como se estivesse em uma tempestade, no meio dos trilhos de um trem em uma zona rural; duas linhas, que não darão em lugar algum, me guiam na vastidão acinzentada onde não consigo ver cinco metros à minha frente, e apenas sigo essa linha, cegamente, andando em direção ao inevitável poço do esquecimento, onde, ao chegar, me jogarei aproveitando cada segundo da queda em direção ao vazio, e ao fim dessa queda, não perceberei que não houve diferença, afinal, a única diferença entre o vazio da vida e da morte é o pensamento e os sentidos.