Feliz dia dos pais

Talvez tenha tanta raiva de você por cometer muitos de teus erros, e ter tanto de você. Justamente por não tê-lo para me orientar e me amparar de maneira justa.

É possível ouvir um grito abafado no fundo de cada abraço falsificado e cada concordância nominal e verbal exagerada, um grito de saudade. Saudade de quando sentávamos para conversar e não eram previstas colisões, podíamos rir do mundo por apenas fazermos parte do mesmo, quando se deitava no sofá e eu sentada no chão ao lado, pintava os fios brancos do seu bigode com canetas coloridas e tal fato não virava um evento municipal, ou quando tinha seu apoio contra o mundo até por ser uma nele. Talvez dissipávamos nossa rotina simples e sublime a cada dia, sem contar minuto a minuto.

Atualmente o mundo se tornou você e já não consigo acompanhar o ritmo de girar em torno do ego que me sucumbe. Até o menor dos problemas pode dilacerar uma pessoa.

Era você, quem eu mais queria encontrar após um tempo distante, hoje, o último.

Mentir, prender, trair, corromper, esmagar. Tudo seu e por você. O maior problema é os verbos estarem no infinitivo, e os fios brancos tomarem conta.

Sinto falta de falar sobre as levezas da vida, pouco, mas ainda as noto como fazíamos. Aquele bolo que comi, a árvore bonita a qual pareceu estagnar uns segundos, o beijo com gosto de café que recebi, meu dia-a-dia na cidade grande. Você não sabe o que faço todos os dias, o quanto sofro para entender meu lugar, o quanto agradeço por ter a possibilidade de ser uma formiguinha no mundão, o quanto chorei ao desabafar para o computador, o quando odeio saber tudo o que faz para minha mãe e o quanto desejo que a política devolva sua visão e o doloroso é sua falta de interesse sobre. Cresci e já não me lembro quando se fez pista de pouso para meus pés aéreos.

É complicado ter alguém cem por cento num dia e no outro, nem dez décimos do mesmo, o assunto morreu de um dia para o outro, e eu tentei, eu juro que tentei por muito tempo. Mas está claro a diferença entre os pássaros da gaiola.

Você me deu tudo, e é inexplicável minha gratidão pelo mesmo, mas dinheiro jamais comprará afeto.

Exagero, drama, mimimi, “é rica”, “tem tudo”, “é playboy”, eles disseram. Sorria e acene, o fiz.

E se um dia, de fato, construir um futuro ao lado dele? Vai apagar as mentiras e aceitar sua inutilidade em me afastar do que escolhi para a vida?! E se ela realmente construir sua vida longe? Vai desistir de moldar a imagem maniqueísta de vítima e carcereiro?! E se eles falharem? Vai depositar essa fé hipócrita e machista em quem?!

Se Kafka pudesse metamorfosear os critérios familiares, o “Você não faz tal coisa porque é mulher” provavelmente seria “É independente, olhe onde chegou, vá”, o “Você é caçula, por isso o pseudoprotecionismo” seria “É possível notar suas escolhas apesar da idade, maturidade ta aí, vá”. Mas Kafka não rege as substanciais melhores famílias, infelizmente. E por incrível que pareça, por não ser Hegel ou Schopenhauer porém tão válido quanto: Política não precisa ser o assunto de todas as refeições de uma família. Se precisa, o nome disso é solidão. E olha onde chegamos.

O fato de ter sido necessário eu escrever e o mesmo de todas as palavras já redigidas: O equilíbrio de uma explosão. Desculpe, mas não lamento quem se tornou, apenas por quem era.

Classicisa
Enviado por Classicisa em 13/08/2017
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