O Tao Cristão
"No princípio era o Tao, e o Tao estava com Deus, e o Tao era Deus". Assim traduzem o primeiro versículo do Evangelho de João algumas versões chinesas. Tao é um conceito bastante confuso presente nas religiões chinesas. Literalmente a palavra significa caminho ou estrada, mas ela pode ser entendida como a maneira pelo qual alguém faz alguma coisa, o método. Assim, cada filosofia/religião tem seu Tao, sua doutrina sobre o modo como a vida deve ser ordenada.
No taoísmo, o Tao significa a maneira como o universo inteiro funciona, sendo muito importante para eles, e por isso dá o nome a essa religião na nossa língua[1][2]. Contudo, mesmo dentro do taoísmo há uma gama enorme de interpretações do Tao. Um princípio central nas escolas taoístas mais religiosas é que o Tao está sempre presente, mas deve ser manifestado, cultivado ou aperfeiçoado para se concretizar. Ele é a fonte do Universo e a semente de sua pureza primordial que reside em todas as coisas, sendo algo muito semelhante ao nosso conceito de Deus.
No taoísmo filosófico, porém, o Tao não tem implicações religiosas ou esotéricas, mas está mais ligado a um caminho para aperfeiçoamento pessoal[3]. Semelhantemente, no Confucionismo, o Tao recebe uma interpretação mais prática, sendo uma abordagem particular da vida, da política e da tradição, aproximando-se mais do conceito de "Verdade", com uma ênfase mais ética[4]. O Budismo, embora tendo nascido na Índia, penetrou profundamente na China e foi influenciado pela cultura chinesa[5]; ali o Tao foi associado ao conceito budista de Marga, o caminho para a cessação do sofrimento: entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta, concentração correta.
Afinal, o Verbo (Logos) do Evangelho de João, que é Jesus Cristo, pode ser traduzido por Tao? Os conceitos são semelhantes? Em "A Abolição do Homem"[6], C. S. Lewis elenca uma série de ideias platônicas, aristotélicas, estóicas, cristãs e orientais e junta tudo sob o nome de Tao. Ele começa dizendo que Agostinho definia virtude como "a disposição ordenada das afeições, na qual cada objeto corresponde ao grau de amor que lhe é apropriado". Aristóteles dizia que o objetivo da educação é fazer com que o aluno goste e desgoste do que é certo gostar e desgostar. No hinduísmo primitivo, a conduta dos homens que podem ser chamados bons consiste na conformidade à, ou quase na participação na, Rta, o grande rito ou modelo do natural e do sobrenatural que se revela do mesmo modo na ordem do cosmos, nas virtudes morais e nas cerimônias do templo. Até mesmo os deuses nascem na Rta e obedecem a ela. É esse o Tao de Lewis, o Caminho pelo qual o universo prossegue, o Caminho do qual qual tudo eternamente emerge, imóvel e tranquilamente, para o espaço e o tempo. É também o Caminho que todos os homens deveriam trilhar, imitando essa progressão cósmica e supracósmica, amoldando todas as atividades a esse grande modelo. Nesse sentido, preciso concordar, Jesus Cristo pode ser chamado de Tao.
[1] WALEY, Arthur. The way and its power: a study of the Tao tê ching and its place in Chinese thought.
[2] KOHN, Livia. The Taoist experience.
[3] FOWLER, Jeaneane. An introduction to the philosophy and religion of Taoism: pathways to immortality.
[4] TAYLOR, R.; CHOY, H.. The Illustrated Encyclopedia of Confucianism: N-Z, Volume 2 of The Illustrated Encyclopedia of Confucianism.
[5] DUMOULIN, Henrik. Zen Buddhism: a History: India and China.
[6] LEWIS, Clive. A Abolição do Homem. Tradução de Remo Mannarino Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Disponível em: <http://politicaedireito.org/br/wp-content/uploads/2017/02/C-S-Lewis-A-Abolicao-do-Homem.pdf>