Uma reflexão sobre Amor como estado de ser
Amor é atenção, não é um sentimento, um pensamento. É pura percepção. Sentimento é amor romântico, a epiderme de nós mesmos moralizada pelos anos, que tem seu lugar no mundo. Mas, basta sair dos limites do sentimento para se transformar numa coisa hedionda, e nos ferimos com o sentimento oposto: a decepção, o vazio, a solidão, a tristeza, desilusão, até o vitimismo: "eu não mereço isto". Mas, o amor tem um oposto?
Atenção não é concentração, foco num objeto, e exclusão de todas as coisas. É um abraçar-se-com-o-mundo, é ter pés de asas, ser leve e natural como as chuvas. Amor não é se apoderar de algo, ter desejos, anseios, vontades; desejo é desejo, vontade é vontade. Amor não é ter um objeto para se apegar, tatear o prazer; prazer é prazer, colequemos cada coisa no seu lugar! Esses sentimentos são maravilhosos e tem sua importância, mas traz em si, já em potencial, seu oposto, e é aquilo que sentimos quando o desejo é desiludido. Amor é um estado de ser. Concentração pressupõe um fazer, uma intenção, um motivo pelo qual se concentra para obter algo, e toda intenção é um querer-para-si. Atenção é não-movimento do pensamento quando está a escutar alguém, um som, um passarinho; é estar livre do peso de qualquer julgamento, dos princípios e preconceitos pessoais, portanto, num estado de amor, de paz, comunhão; um olhar que se debruça carinhosamente sobre o mundo, uma abertura para o cosmo. A atenção não é algo que se obtenha, é aquilo já somos, é um estado no qual se vive o tempo inteiro em comunhão. Neste estado não existe um centro concentrado, uma entidade pela qual vê o outro por trás dos olhos avaliando, desejando algo para si. Isso tudo é o conteúdo passado, pensamentos, por conseguinte, sentimentos - os valores e apreciações do mundo, nossas experiências, indivíduos que avaliam o outro de fora para fins de partilha de prazer. Há interesse, insegurança, medo, e a obrigação - não dita - de que "você tem que me fazer feliz", fazendo do outro seu centro de gravidade, ou seja, aquilo pelo qual a entidade sente mais prazer e, portanto, umas das fontes de onde esta nutre da seiva do sofrimento. Mas isso só é de fato constatado quando se chega a se desiludir com alguém. Por que não podemos escutar alguém como escutamos um passarinho? Porque nos importamos com as palavras afetivas e odiosas que falam, elogios e críticas nos preenchem ou esvaziam, queremos apreciar e ser apreciados. E tudo isso tem seu lugar, mas me parece ainda ser o que de mais há de importante numa relação.
Amar é não pensar. É a eterna inocência das coisas. Amar é escutar, não julgar, e não julgar é não sofrer, nem fazer sofrer, pois o mundo sou eu, e se o julgo eu sofro a mim mesmo com o outro.
Onde existe amor não há sofrimento, nem vontade de poder.