Quero exercer o meu direito de não ouvir
Émile Durkheim, sociólogo francês, apresenta em sua teoria os fatos sociais e suas características: a generalidade (fatos existem para toda a sociedade ou para um grupo), a exterioridade (a organização existe e o indivíduo tem que aprender a se situar nessa organização) e a coercitividade (o poder ou a força impõe os padrões e o indivíduo é obrigado a cumpri-los). Fala ainda que se o indivíduo opuser-se às ações coercitivas elas voltar-se-ão contra ele. Guardadas as devidas restrições ao falar da natureza coercitiva de que trata Durkheim, por ser muito mais ampla e com sentido diverso do que aqui me atenho, vou lançar mão do aspecto coercitivo dos fatos sociais para expor o que me aflige e constrange. Uma das funções do cargo que exerço numa escola municipal é o contato com os pais/responsáveis para resolver problemas como não comparecimento desses às reuniões, faltas dos alunos e alunas, indisciplinas, mal estar das crianças no período das aulas e outros assuntos pertinentes, configurando-se em atividade diária. Para a minha desolação e irritação, grande parte desses pais utiliza o aplicativo que opera com música enquanto a chamada não é atendida. Até aí, tudo bem! Adoro músicas e não vivo sem elas. Entretanto, as que me são oferecidas nessas ligações são aquelas que eu não ouviria sob hipótese alguma, a não ser que fosse vítima de uma sessão de tortura. E não tenho opção de rejeitar, pois o dispositivo pede que se quiser ouvir a música "digite 2" mas não dá tempo para a ação, ou seja, clicando ou não ouço a "música" do mesmo jeito. Então me pergunto: Que sociedade é essa que me impõe algo que me desagrada, aborrece e que é totalmente inútil e dispensável? Porque não faço parte do grupo que aprecia aquele tipo de música (se é que pode ser chamada assim, com o devido respeito à verdadeira música), não tenho que aprender a gostar e não sou obrigada a aceitar essa coação. Então surge outra questão: reclamar para quem? Para o bispo, como ecoa o desalento popular? Não sei...só entendo que são fatos externos a minha vontade e impedem que eu exerça um direito básico: o de dizer não àquilo que não quero ouvir. Fica o registro. E o desabafo. Porque penso que nem Durkheim daria conta de responder.