Colagem
Sou a pessoa mais cansada do mundo. Tusso como um cão velho que, atado a meio metro de corrente melada de bosta e mijo, trava a traqueia forçando a coleira no afã de obter um afago. Meus pulmões parecem estar necrosando, fazendo subir à garganta um catarro seco, verde fluorescente, que assoo na cerâmica manchada da pia oval desse banheiro nojento. Um dos dois mictórios transborda urina amarelo-flamejante, que cai no chão, aumentando uma poça que não para de crescer. Nunca estive em um cubículo tão imundo em toda a minha vida. Não há espelho para que eu me certifique de que não há ranho nos pelos do meu bigode antes de voltar à mesa. Há um incômodo contínuo no meu nariz. Poluição. Nariz desadaptado.
Gostaria de saber se te magoei.
De coração.
Parece que com você eu me importo realmente.
Parece que a gente vai cada vez mais se importando menos quando reacendemos mágoas antigas, quando reascendemos olhares de ódio perplexo, inextinguível. A estaticidade muda diante do óbvio obsceno.
Uma mosca pousada - esfregando as patinhas, com as asas fulvas tingidas pelo alaranjar do entardecer - no lugar certo na hora certa até que é bonitinha, penso. O tempo dessas pessoas que se abraçam em despedida em frentes de catracas de metrô também estaca, será? Eu às vezes rumino as palavras não ditas que guardava para você, para uma ocasião especial que nunca aconteceu. Eu sei, eu botei tudo a perder. Quando é que não boto? Quando é que nossos rostos viraram os polos magnéticos iguais de imãs?
Já nem sei mais onde me dói viver.
Coldplay - Up&Up
12/07/2017