Deus pode criar uma pedra tão pesada que Ele mesmo não possa levantá-la? - Razão na fé #6

Paradoxo da pedra : refutado

É curioso como um erro de lógica pode confundir muita gente. Até hoje algumas pessoas não têm respostas para paradoxos lógicos como este. E neo-ateus, em má fé, o utilizam para "desnortear" os crentes desinformados. O paradoxo da pedra já foi bastante popular em debates, mas hoje não parece estar muito em voga. De qualquer forma, volta e meia alguém aparece propondo em discussões e, por isso, é necessário abordá-lo de forma a dissipar qualquer dúvida. Esse truque é apenas um truque de lógica. Vamos analisá-lo dessa maneira analógica. A argumentação vai mais ou menos assim:

1- SE DEUS É ONIPOTENTE, ENTÃO ELE PODE FAZER TUDO.

2- SE ELE PODE FAZER TUDO, ENTÃO ELE PODE FAZER ATÉ MESMO UMA PEDRA QUE NEM ELE MESMO PODE LEVANTAR.

3- MAS SE ELE NÃO PODE LEVANTAR A PEDRA, ENTÃO ELE NÃO É ONIPOTENTE.

4- E SE ELE NÃO PODE CRIÁ-LA, ENTÃO ELE TAMBÉM NÃO É ONIPOTENTE.

5- LOGO, DEUS NÃO É ONIPOTENTE, POIS NÃO PODE CRIAR UMA PEDRA QUE NEM ELE MESMO POSSA LEVANTAR.

Na verdade, essa forma contém um erro, pois Deus poderia criar a pedra (1ª situação), enfraquecer a si mesmo (2ª situação) e chegar a um ponto onde a pedra original fosse tão pesada que ele não fosse mais capaz de levantá-la (3º momento). Portanto, Deus teria criado uma pedra que nem ele pode levantar. A melhor forma de colocar a questão é a seguinte: pode uma força irresistível (capaz de levantar tudo) co-existir com um objeto inamovível (que nada pode levantar)? Devemos, primeiro, apresentar duas definições de onipotência para prosseguirmos na investigação. São elas:

(1) Ter a capacidade de fazer tudo, sendo tudo sinônimo das coisas que são logicamente possíveis (pois o logicamente impossível não é “algo” para estar dentro do conjunto tudo).

(2) Ter a capacidade de fazer tudo, sendo tudo sinônimo de até mesmo aquilo que é logicamente impossível.

Arrisco-me a dizer que a maioria dos teístas, e estou incluso aqui, adota a posição (1). O ponto chave para diferenciá-los é justamente o significado de “fazer tudo”: trata-se das coisas que são possíveis ou mesmo das coisas que não podem existir? Se definirmos “tudo” como o conjunto das coisas possíveis, fica fácil de responder o paradoxo. Não é possível para Deus criar uma relação de uma força irresistível co-existindo com um objeto inamovível, pois essa relação é, pela sua própria definição, algo incompatível logicamente; e não está dentro do “tudo” da onipotência. Como já havia respondido Santo Tomás de Aquino sobre onipotência na Suma Teológica (Prima Pars, Q. 25, A. 3) :

"O que resta, portanto, é que Deus é chamado de onipotente porque ele pode fazer todas as coisas que são possíveis absolutamente; que é a segunda maneira de dizer que uma coisa é possível. Pois uma coisa é dita ser possível ou impossível absolutamente, de acordo com a relação em que os termos estão um com os outros, possível se o predicado não é incompatível com o sujeito, como em Sócrates senta; e absolutamente impossível quando o predicado é completamente incompatível com o sujeito, como em, por exemplo, esse homem é um asno."

Essa também é, de certa forma, a opinião de C. S. Lewis:

"A sua onipotência significa poder para fazer tudo que é intrinsecamente possível, e não para fazer o que é intrinsecamente impossível. É possível atribuir-lhe milagres, mas não tolices. Isto não é um limite ao seu poder. Se disser: “Deus pode dar a uma criatura o livre-arbítrio e, ao mesmo tempo, negar-lhe o livre-arbítrio” não conseguiu dizer nada sobre Deus: combinações de palavras sem sentido não adquirem repentinamente sentido simplesmente porque acrescentamos a elas como prefixo dois outros termos: “Deus pode”.

Sendo assim, permanece verdadeiro que todas as coisas são possíveis com Deus: as impossibilidades intrínsecas não são coisas mas insignificâncias (na prática, não existem). Não é possível nem a Deus nem à mais fraca de suas criaturas executar duas alternativas que se excluem mutuamente; não porque o seu poder encontre um obstáculo, mas porque a tolice continua sendo tolice mesmo quando é falada sobre Deus.Deve ser porém lembrado que os raciocinadores humanos com freqüência cometem erros, seja argumentando a partir de dados falsos ou por falha no argumento em si. Podemos chegar assim a pensar coisas possíveis que na verdade são impossíveis, e vice- versa. (Problema do Mal, Capítulo sobre onipotência) O que Tomás e Lewis explicam é o seguinte: objetos existem, na realidade, em relações. E existem que relações que não são reais, por serem incompatíveis ou mutuamente excludentes. Esse é o caso da força irresistível e do objeto inamovível existindo ao mesmo tempo, pois a definição da existência de uma é a definição da exclusão da existência da outra. É o mesmo que perguntar: “Pode existir um solteiro casado?” ou “Pode existir um círculo que é um quadrado?”. A definição de casado é de um homem que não é solteiro, ou seja, se você é solteiro, está excluído a possibilidade de ser, ao mesmo tempo, casado. A definição de ser um círculo exclui a possibilidade de ser um quadrado. E a definição de uma força irresistível exclui automaticamente a existência de um objeto inamovível, pois se existe um objeto inamovível, ela não é mais irresistível; e vice-versa. Isso é só um jogo de palavras, não algo real,se onipotência é fazer “tudo”, e “tudo” é o conjunto dos “algos” existentes no plano real, então essas contradições lógicas não são “algo”. São apenas erros mentais ou gramáticos na construção de uma idéia. Deus continua sendo onipotente.

Então, pela definição (1) de onipotência, a coisa está bem clara: o paradoxo falha. O erro é do raciocínio de quem propõe a pergunta, não da incapacidade de Deus. Como Lewis disse, pedir que Deus faça ao mesmo tempo “X” e “não-X” trata-se apenas de uma… tolice, pois tal coisa não pode realmente existir, não estando no grupo “tudo” abrangido pela onipotência. Mas ainda temos uma questão: e se a definição utilizada for (2)? Basicamente, a requisição que o ateu estará fazendo é que Deus é tão, mas tão poderoso que ele pode realizar até mesmo aquilo que é logicamente contraditório e logicamente impossível. O problema é que se aceitarmos essa definição (que não é a minha preferida, mas tudo bem) o paradoxo vai imediatamente pro ralo. Se o poder de Deus deve ser tanto que ele possa resolver até mesmo contradições lógicas, então que sentido faz postular uma contradição lógica para dizer que ele não existe ou que ele não é onipotente? Afinal, se o seu poder é tanto que ele deveria ser capaz de superar essas contradições, então qualquer contradição que apontarmos também poderia ser superada por Ele, e segue que Deus continuaria sendo onipotente. Essa definição torna qualquer objeção lógica oferecida pelo ateu auto-refutável. Portanto, o paradoxo não funciona em nenhuma das versões de onipotência.

Considerações finais

Também é interessante lembrar que esse questionamento não excluiria a existência de um ser transcendental. Ele poderia muito bem muito poderoso, mas não ser onipotente. Essa objeção (que é falha) só provaria, no máximo, que teríamos que descer um degrau na escala de poder de Deus. No entanto, como vimos, nem isso é preciso fazer.

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RMNF e Andrei Santos
Enviado por RMNF em 04/07/2017
Código do texto: T6045248
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