Poesia das coisas sem palavra

Ainda que seja feia, em sua crosta dura e machucada, a poesia é o desejo de beleza. Na poesia morre o desejo de matar, ainda que esse seja justamente o seu reconhecimento. Para não matar e não morrer, escrevemos. Talvez a inocência mais pura seja o pecado explícito. Não se pode negar o que não há. Havendo, perdoa-se.

Da poesia demanda-se o desvendar da vida. A poesia como instrumento da existência. O sentido das coisas era que fossem dignas, legítimas, provocassem saudade. Isso exigia um esforço de pensar. Se deseja a poesia, como uma guardiã, uma redentora.

No apanhado de papéis, de letras, abre-se uma página. Um pedido de socorro, que resgatasse aquilo que nunca foi dito. Colocando palavras na boca, porque é isso que faz quem escreve. E quem o lê, se vê subitamente invadido. Acusado de existir, visitando algo ainda inusitado, mas inevitável. A escrita é o documento do destino.

Contudo, havia um problema com a palavra. Parecia que tudo o que precisasse ser dito, era porque não se firmava nas próprias pernas. Requeria a palavra para ilustrar, para fortalecer. O além das palavras arrebata sem dizer, e é essa a verdadeira poesia. A poesia prescinde da palavra. A palavra era então uma bengala. Palavra de apoio. Como se o vento fosse só a ideia do vento, que passa entre os cabelos e então é pensado nas cabeças, nos neurônios: o vento. Os neurônios não permitiriam dizer sem pensar. Mas o vento é, antes, poesia. Porque, perigosamente, entre as camadas de dizer e de pensar, emana um Sentir, disléxico. Sem ter o seu lugar. Coisa que se presta a nada, sem esclarecer. Fora de ordem. E mesmo assim é forte. Sabe-se pouco do sentir, só que não pode ser estudado. Mas sabe-se que é forte. Que tem vigor. Que não é anunciado, pois não vem de parte alguma. Não surge, não brota, não tem origem. Confunde. Não se pode dizer: aqui está. O sentir só desembaralha nos sonhos.

Mas quando a gente acorda, já não entende.

pedro toscan
Enviado por pedro toscan em 21/06/2017
Reeditado em 21/06/2017
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