As uvas e a sabedoria (que não é a esperteza) da raposa
A velha fábula de Esopo, narrada posteriormente por La Fontaine, aponta-nos uma solitária personagem: a raposa, que, morrendo de fome, tenta pegar as uvas e, não conseguindo de jeito algum, diz: "Eu não queria mesmo! Elas estavam verdes!"
A figura famigerada da raposa, que, frustrada, resolve recuar e desprezar o seu objeto de desejo, sempre foi alvo inequívoco de críticas de pessoas de diferentes gerações do mundo todo. Entretanto, permanece a pergunta: "ela estava realmente errada ao fazê-lo?"
É inegável que a raposa tentou mentir para si mesma, negando a vontade visceral de pegar os cachos de uvas. Por muito tempo, isto foi interpretado como má-fé e até como falha de caráter.
A experiência de qualquer um de nós nos mostra a impossibilidade de alcançar todos os nossos objetivos- alguns tangíveis... outros nem tanto.
Assim sendo, afirmar que estavam verdes as uvas que pareciam tão apetitosas não é, óbvia e definitivamente, uma atitude coerente. Porém, que mal há em abdicar dos sonhos e, desta forma, afastar-se de um sofrimento e dizer para si mesmo: " não é isto o que eu quero e procurarei outro cacho"? Ver uma casa belíssima (porém inacessível financeiramente ) e dizer como consolo para si mesmo: "foi bom não ter comprado aquele imóvel porque era impossível fazer a manutenção" seria um ato insensato, por exemplo?
Não se sabe se a raposa encontrou outro alimento ou se ela morreu de fome. O certo é que ela tentou encontrar um jeito de livrar-se do sofrimento. Julgá-la como se nenhum de nós estivesse sujeito a esta situação é que seria uma verdadeira forma de enganar a nós mesmos.