Por Que Jesus Foi Vendido Por Trinta Moedas de Prata?
No capítulo 8 do livro bíblico de Zacarias, vemos um anuncio da restauração de Israel. Naquele tempo as crianças poderão brincar tranquilas nas praças, e as pessoas viverão tanto que vão ver seus filhos envelhecerem e precisarem ser levados pela mão. Não me parece coerente com o contexto da passagem interpretar essa restauração alegoricamente, como uma referência à paz e vida eterna no céu. Portanto, creio que haverá um momento na história desse mundo em que o povo de Deus vai experimentar uma relativa paz e tranquilidade, não apenas em relação a inimigos externos, mas também interior, com boa saúde e alguma prosperidade material.
E isso não se aplica apenas aos judeus, mas pessoas de todas as nações experimentarão essas bençãos por meio de Jesus Cristo. A intenção do Espírito Santo aqui era fazer com que a expectativa desse futuro glorioso os incentivasse a trabalhar com maior diligência na obra do Senhor (Zacarias 8.9). Que possamos seguir os piedosos nesse exercício, meditando nessa imagem de uma praça cheia de crianças brincando e velhos de 150 anos conversando tranquilos, bem como em todas as promessas que o Senhor fez para o futuro dos justos, e nos enchermos de zelo por aquilo que o Senhor colocou em nossas mãos, a fim de que possamos experimentar agora parte dessa justiça, bondade e misericórdia que reinará no mundo.
Naquele tempo Israel celebrará ao Senhor com grande alegria, e pessoas de muitos povos estrangeiros se juntarão a eles no culto a Deus. Esses estrangeiros convocarão uns aos outros a adorar ao Deus de Israel, e as nações se voltarão para Jerusalém para ali cultuar ao Senhor. Como Jesus nos ensinou que não é em Jerusalém que iremos adorar (João 4.21), creio que a cidade que o texto se refere não é a literal, mas uma forma simbólica de falar sobre o povo de Deus. Nós, os crentes em Jesus, somos esses estrangeiros que vão de uma cidade a outra chamando outros para adorar a Deus. Essa é a missão da Igreja, convocar mais e mais pessoas a conduzir as suas vidas de maneira coerente com essa realidade futura: arrependei-vos, pois é chegado o reino dos céus.
A partir do versículo 9 de Zacarias 9 o profeta anuncia o futuro rei de Israel; não um estrangeiro, mas judeu de judeus, justo, salvador e humilde. Ele entraria em Jerusalém literalmente montado em um jumentinho. Por meio desse Rei, Deus anunciaria paz às nações e seu povo alcançaria prosperidade. Sua vitória não seria conquistada por meio da guerra, como ensina o versículo 10, mas pelo Espírito do Senhor. O Novo Testamento vai nos esclarecer que esse poder seria exercido por meio da pregação da Palavra: pois quando Cristo veio, evangelizou paz aos que estavam longe e paz também aos judeus, porque por ele ambos têm acesso ao Pai em um Espírito (Efésios 2.17-18).
Aqui o Messias é apresentado em suas duas faces, o cordeiro e o leão, aquele que tem todo o poder e aquele que é manso e humilde de coração. Nenhum outro é tão poderoso quanto ele, e ninguém é mais amoroso; e absolutamente nenhum outro homem na história uniu força e delicadeza de maneira tão profunda quanto o nosso Senhor. O futuro de Israel está sob o domínio desse Rei. O problema é que, como nós sabemos, eles O mataram. Ao matá-lo, contudo, eles selaram a nova aliança, feita pelo Seu sangue, que seria o motivo pelo qual o Senhor os salvaria. Por essa aliança, todos nós os que cremos no Senhor somos abençoados com toda sorte de bênçãos celestiais.
A partir do versículo 7 de Zacarias 10, Deus promete grande alegria para o Seu povo. Eles seriam ajuntados novamente, e multiplicados de tal maneira que encheriam não só a terra de Israel, mas também Gileade, Assíria e Líbano, e não haveria espaço para eles. A Assíria seria humilhada e o Egito enfraquecido. Isso não aconteceu literalmente naquele tempo, e até hoje não ocorreu. O atual Israel tem uma população menor que a cidade de São Paulo em uma área com metade do tamanho do estado do Rio de Janeiro. Enquanto isso, a Jordânia (onde Gileade fica hoje) é quatro vezes maior, Iraque (onde ficava a Assíria) é vinte vezes, Síria nove vezes e Egito quarenta e oito vezes[1]. Ou seja, embora o Israel moderno permaneça firme diante das nações hostis que o cercam, não chegou nem perto daquilo que o profeta anuncia aqui. Desse modo, ou teremos um cumprimento futuro desse anuncio, ou essa restauração é alegórica ou espiritual.
Quanto ao Líbano, Zacarias começa o capítulo 11 dizendo que seus famosos cedros seriam queimados. João Calvino[2] interpreta Líbano aqui como uma referência ao Monte Líbano, que fica próximo de Jerusalém; e, por sinédoque, toda a Judeia. Assim, para ele, isso é uma ameaça aos judeus para que eles se arrependessem de seus pecados. Essa região montanhosa, sendo de difícil acesso, poderia ser considerada um ótimo lugar para se esconder; mas até lá a vingança do Senhor chegaria.
Nem mesmo os líderes do povo, a quem o profeta chama de pastores, escapariam. Eles enriqueciam às custas do povo e ainda hipocritamente agradeciam ao Senhor por suas riquezas; como fazem muitos pastores evangélicos hoje, enganando as pessoas para tomar o dinheiro delas e atribuindo sua fortuna à benção de Deus. Mas o Senhor vê isso, e no tempo oportuno entregará esses homens à matança.
Então no versículo 7 o Senhor diz que, como pastor do rebanho de Israel, tomou duas varas, chamadas Graça (noam) e União (hobelim), e matou os pastores descuidados. Mas por causa da rebeldia do povo, o Senhor se cansou deles, e eles se cansaram do Senhor, pelo que Deus decidiu abandoná-los, deixando-os caminhar em direção à destruição e até comer a carne uns dos outros. Então Ele quebrou noam, anulando o Seu favor, ignorando Sua aliança. E também quebrou hobelim, para acabar com a irmandade entre Judá e Israel do Norte, as duas partes em que foi dividida Israel após Salomão, como punição pelos pecados dele.
E o Senhor disse ao povo: “se vos parece bem, dai-me o meu salário; e, se não, deixai-o” (v.12). E o salário que o povo deu ao Senhor era de trinta moedas de prata. Com essa figura, o Senhor simboliza o fato que o povo deu pouco valor ao Seu Deus, pois trinta moedas de prata era o valor de um escravo (Ex 21.32).
Com isso o profeta se refere a todas aquelas obras frágeis as quais os judeus achavam que podiam satisfazer a Deus e pagar pelos seus favores; ou até mesmo colocar o Senhor em dívida com eles. Jesus, o rei humilde, incorporou isso na sua vida, e por isso Ele foi vendido por exatamente trinta moedas por seu amigo Judas. Desse modo, a razão dessa terrível transação foi demonstrar que Jesus Cristo é aquele por meio de quem Deus cumpre as promessas contidas em Zacarias e em todo o Antigo Testamento.
Daqui aprendemos que jamais devemos nos relacionar com Deus em uma base de troca de favores, pois nunca iremos pagar a Ele um justo salário. Devemos, ao contrário, obedecer à Sua Palavra, andar em humildade e depender da Sua misericórdia. Àqueles que fazem pouco da graça de Deus, o Senhor promete enviar pastores, não para cuidar deles, mas para comer suas carnes e arrancar até suas unhas. Pois o Senhor não apenas usa os líderes de homens para o bem deles, mas também como instrumento de punição, para derramar sobre eles Sua vingança. Isso aconteceu com Israel no Exílio Babilônico, e aconteceu muitas vezes ao longo da história, inclusive naquela geração que crucificou Jesus; Roma foi o pastor que destruiu a cidade e devorou o povo.
[1] Dados da Wikipédia.
[2] CALVIN, John. Bible Commentary – Prophets. Disponível em:
<http://biblehub.com/commentaries/calvin/>