MARIONETE.
Sou filha de uma geração caótica. Escrava de uma cultura vazia. Me ensinaram que tudo é passageiro. Fiz dessa informação a minha única certeza. Fiz de cada acontecimento um instante descartável. Fui aluna prodígio na arte de fingir desinteresse. Passei com louvor de olhos fechados. O meu cérebro foi programado para dizer amém ao final de cada oração. Os meus pés já sabem o caminho de cor. Nada em mim é espôntaneo. Minha alma está em coma e o meu corpo é um fantoche. A lei que rege o meu mundo se chama brevidade. Tudo muda. Nada permanece. Sou um sopro que passa sem deixar vestígios. Uma lembrança que se apaga rapidamente. Uma emoção que queima e vira cinzas. Sou tudo isso e de repente não sou mais. Essa é a minha herança: é proíbido enxergar além do que foi ensinado. Os sentimentos mais puros também encontrarão seu fim. Tudo pode ser substituído. A lei é acreditar e eu acredito. Acredito nessa estrutura perfeita que nos dita o que devemos estudar, no que devemos trabalhar, quando devemos casar e ter filhos... Eu acredito nesse desenho de vida que se vende como um mapa da felicidade. Eu acredito nesse quebra- cabeça com peças que sempre se encaixam, pois uma peça diferente não tem espaço numa sociedade perfeita. Eu acredito... Eu acredito que de tanto gritar que acredito... De fato acabarei acreditando.