Carta ao Nada

Deitada, insone,

encaro o teto observando milhares de pensamentos rodarem sobre meus olhos

como planetas girando,

envelhecendo os homens.

Mando-te todo o carinho que não posso dar. Mando-te um abraço, mesmo que seja entregue pelo corpo de outra, qualquer uma que tenha o prazer de estar mais perto de ti do que eu estou. De poder oferecer o que eu não pude, ou o que eu não tinha, ou o que simplesmente não era conveniente.

Imagino se você pode sentir que tem alguém te amando de longe; sente-se observado?

Fico pensando que não nos conhecemos. Ficamos juntos, encostamos os lábios, mas um querendo não atravancar o outro, fizemos silêncio.

O respeito maior é não fazer nada - qualquer coisa pode ser desacato. Por isso que você não me conheceu.

Quem dera esses cuidados se derretessem, e você me pudesse me conhecer exatamente como sou: um desacato constante.

No meio dos silêncios, escrever um poema de amor. Isso é um desacato. Contra mim, que deveria não sentir nada, feliz se você estiver feliz em qualquer outro lugar, e contra você, que mal saberá da existência desse poeminha. Não ter conhecimento é a pior das condições.

Estou cuspindo amor na calçada. Quem sabe, a chuva lava, devolve pros mares, adocica um pouco a vida salgada de qualquer ser vivo que não eu.

Pelo menos, cuspindo, o gosto amargo se dissipa.