Caminhadas Introspectivas
Os pensamentos que se desenrolam na minha mente são como pergaminhos rasgados, incompletos, com caracteres indecifráveis em parte e misteriosos até para mim.
Saio de casa em torno das 17:00 quase todos os dias. Faço minhas caminhadas ora lentas, ora rápidas. Chego em casa cerca de uma hora depois que saí.
As caminhadas servem como momentos de quase total mergulho em mim mesmo. Nelas eu penso e repenso sobre as escolhas, as poucas escolhas que posso fazer na minha breve existência. As cores das nuvens e do céus incentivam ainda mais esse mergulho interior. Caminho a passos lentos. Olho para as árvores postadas dos dois lados da rua. Vejo mangueiras, alguns tucumanzeiros ao longe, palheiras isoladas no cerrado esmeraldino, casas e mais casas no primeiro quilômetro do trajeto. No segundo quilômetro há muito capim, cerrado, e os postes que acompanham a estrada.
Não tenho muitas escolhas a fazer. Fiz uma cirurgia ocular recentemente. Enxergo aproximadamente 13% com o olho esquerdo e pouco mais que isso com o olho direito. Mas aparentemente a cirurgia não deu resultados satisfatórios. Um tom esmaecido, às vezes uma espécie de clarão, toma conta do olho direito no qual foi transplantada uma córnea. A situação financeira não está nada boa e pessoas importantes se foram recentemente. Tento me manter calmo e mesmo sem dinheiro, ainda assim, consigo ver a beleza no aspecto geral da vida.
Atravesso presentemente uma fase. Mas vejo tal fase como uma lição necessária. Eu não sei se minha visão voltará em parte. E se digito esse texto, é com um pouco de dificuldade.
Gostaria de trabalhar, mas um processo aberto para tentar uma cirurgia de glaucoma (a possível causa do clarão, esmaecimento) para diminuir a pressão ocular pode acontecer em breve. O que me resta então é esperar o início das aulas da faculdade.
Pensamentos assim na hora da caminhada voam, navegam, estacionam, pulam na minha cabeça. Enquanto realizo o exercício delicioso de movimentar meu organismo, acompanho os pássaros com os olhos e com os ouvidos (mais com os ouvidos do que com os olhos).
No silêncio quase total da caminhada é que percebo em parte o Divino nas criações mais variadas. Desde os mais simplórios micróbios até os mais complexos humanos. A estrada acaba na cidade cenográfica onde é realizada anualmente uma peça teatral sobre a vida de Jesus de Nazaré. Mas não é bem o que Jesus disse que me fascina, e sim o que ele não disse.
Ao longo da caminhada observo atentamente a minha respiração ir de calma a ofegante, minha pele ir de seca a molhada pelo suor, a gravidade puxar os meus pés e a cada passo evitar que eu caia, o céu e as nuvens ganharem tonalidades alaranjadas, cinzentas, roxeadas, marinhas. Eu poderia descrever sensações infinitas aqui, tudo o que me fascina nos mais insignificantes momentos. Mas disponho de pouco tempo para fazer isso.
E em cada caminhada, vem o seguinte pensamento perturbador, inquietante e que talvez nunca seja respondido enquanto eu estiver nessa existência:
"QUEM SOU EU?"