Duas décadas e meia

Eu vivi duas décadas e meia, me dirão que não é muito pra dizer que eu realmente "vivi". Porém, a vida é um aprendizado, e anos não contam tanto quanto experiências.

Ontem assisti um episódio da série sense8 que lhes perguntavam "quem é você?" e a resposta deles foi mais ou menos assim: "você quer dizer de onde vim? o que eu fiz? o que eu sinto? o que eu sonho? ... eu não sou melhor, nem pior que você". Essa é a pergunta mais difícil que todos temos que ouvir, durante toda a vida.

Quem sou eu afinal?

Eu não posso dar uma resposta concreta para essa pergunta, pois sou uma estrada em obras, sempre sendo reformada para melhorias.

Entretanto nesse momento…

Eu sou a garota que não ama pela metade, porque amor é lindo, é profundo, e as pessoas merecem ser amadas sim. Por isso, se eu amo, eu amo pra caralho mesmo. Sou a garota dos assuntos idiotas, dos pensamentos profundos. Sou aquela da fala cheia de vícios de linguagem e gírias, mas com escrita coerente, engraçada e reflexiva. Eu não sou a garota que se formou no magistério, nem em direito, que sabe tocar duas claves no órgão ou teclado, que ama desenhar e pintar, que escreve poesia, romance, ou pensamentos, que ensinou uma pitbull a amar, que lê livros o tempo todo, que assiste mais séries do que devia, ou que viu todos os episódios de one piece em um mês apenas, e que cozinha quase todos os dias. Não sou professora, não sou advogada ou servidora, não sou músico, não sou artista, não sou escritora, não sou adestradora, não sou leitora, não sou desocupada, não sou otaku, e não sou prendada. Eu sou é apenas uma pessoa, igualzinha aquele catador de papel que adotou um cão de rua, ou, a um desembargador do carro com o vidro blindado. Nossas diferenças são; nossas escolhas, nossas bagagens, nossa força de vontade e principalmente, como enfrentamos todos os acontecimentos de nossas vidas, pois a gente sabe que a vida não facilita pra ninguém. Mas eu possuo capacidade, assim como eles. Eu posso possuir menos meios, ou mais meios que um, ou outro, também posso ter uma vida mais fácil, ou mais difícil. Eu sinto, penso e ajo, da mesma maneira que todos, nós, pessoas. Eu não sou imortal, e um dia vou morrer como eles. E tudo o que vai ficar, é o que fui e o que fiz.

Eu sou aquela que gosta de dar bom dia, para o porteiro, ao cobrador, para a senhora da limpeza, para o senhor idoso do elevador, ou para a moça que sorriu e puxou assunto num dia qualquer. Sou sim a pessoa que não importa quem fale comigo, ou sobre o que, eu vou responder com educação e continuar a conversa se perceber que é a vontade de outrem. Eu gosto de me preocupar, gosto de ouvir, gosto de aconselhar, amo ver as pessoas rirem, amo! vocês sabiam que é por isso, que mesmo quando não estou tão bem, falo coisas divertidas. Sorrisos curam mais que qualquer remédio de depressão e acalmam mais que um calmante.

Eu sou da teoria e da prática. Eu escrevo um monte de romance, eu adoro ler romance, mas eu não vejo ele por aí, não sinto ele pelo mundo, e sei que as atitudes ou falta delas devem matar os romances reais nas esquinas da vida. Pois eu sei, que ainda há humanidade nas pessoas assim como amor. Eu preciso acreditar nisso.

Sou a tagarela mais observadora que você vai conhecer. quem diz que não é possível ser ambos? E acreditem, nessas duas décadas e meia tenho observado mais, do que falado. E quem me conhece, sabe muito bem que eu falo muito.

Demorei vinte cinco anos; para perceber a importância de não sair julgando, de não construir perfis, de se dar a chance, de conhecer as pessoas, entendê-las e principalmente se pôr em seu lugar. Empatia é uma benção.

Demorei pra entender, que não importa quão incrível você seja em algo, quase ninguém vai notar. No entanto vou ficar brava por que? como dizem, o sol dá um espetáculo todos os dias, e quase ninguém para pra ver. Hoje em dia, sempre que tenho a chance eu observo.

São duas décadas e meia em dívida com Deus, por não ter agradecido todos os dias, por mais um dia, por poder respirar, andar, pensar, ouvir por conta própria, ter uma casa, uma família e alimento, tanto tempo que demorei para ser grata por poder ver todas essas coisas lindas que a vida nos dá, mesmo que com menos capacidade de visão que muita gente, e daí? eu posso ver! isso sim importa. E o melhor de tudo, foi quando eu percebi como tenho sorte por cada dia que sofri, cada lágrima que derramei, e todas as decepções que vivi, afinal, eu senti, eu sinto, sinto pra caramba, sinto o tempo todo, e Deus que me livre de não sentir, pois eu quero viver cada momento da minha vida, seja bom ou ruim. Preciso sentir tudo.

Demorei esses anos todos para ver. Ver de verdade, ver as pessoas, ver as coisas, ver tudo o que eu deixei passar tão despercebido, e é ótimo. Vocês olharam para o céu hoje? Aqui ele está branco, o tempo está frio, e eu amo quando o dia está assim.

Precisei do meu último ano, para superar esse meu trauma tão intenso de crianças e bebês, e perceber toda a verdade. Eles são perfeitos, eles sao felizes, inocentes, bobos, eles riem de coisas tão insignificantes para nós, as coisas são tão relevantes e incríveis para eles, eles esquecem e perdoam tão rápido né? isso sim, é lindo. E a cada nova gargalhada do meu sobrinho, eu noto como fui cega por tanto tempo.

Estou quase renovando minha habilitação e, eu não vou dizer que sou uma motorista exemplar, no entanto, eu percebi, nesses últimos anos, que quando estou atrás do volante, não sou a motorista apenas, continuo a humana. Aquela, que tem problemas, em casa, com família, com amigos, com relacionamentos, com estudos ou com trabalho. Sou eu ou qualquer um atrás de cada volante, uma pessoa boa, que pode estar por um fio, e que pode ceder a qualquer provocação naquele momento e estragar sua vida e de outro alguém. Um segundo, uma atitude, muda tudo. E é por isso, que sim, eu xingo todo mundo, o tempo todo, afinal não sou paciente, eu soco o volante grito com a marcha, mas isso tudo dentro do carro. Eu usei a buzina uma vez nesses cinco anos. Pois se um dia, eu estiver por um fio, eu adoraria que respeitassem, assim como tenho feito, porém, eu demorei tanto para notar isso.

Nunca havia parado para pensar que eu deveria ter mais calma com minha cão. Sim, ela mesma, nossos cães que não fazem nada errado além de nos amar demasiadamente. Eles só tem a nós, vocês já pensaram nisso? Sei que a gente chega cansado, sei que temos muita coisa para fazer, mas uns cinco minutinhos de atenção e paciência com eles não vão mudar nossa vida, já a deles? Bem, nós basicamente somos a vida deles, somos a razão deles, e somos tudo o que eles têm. E eu demorei vinte cinco anos para compreender isso.

Demorei vinte cinco anos para entender que precisamos perdoar todos, pois nós também precisamos do perdão das pessoas. Pra perceber que é melhor ter um amigo, do que razão. Que eu posso mudar sim, o tempo todo, sempre que achar necessário e isso não me caracteriza como sem personalidade, de modo algum. Assim como que, o fato de que fingir algo, muitas vezes não é ser falso não, é questão de educação. E também, finalmente aceitei que eu não tenho razão, que é tudo apenas questão de opinião.

Eu demorei pra perceber como sou rica. Como tenho muito mais do que pensei que teria aos vinte cinco. Eu tenho uma família incrível, ela sempre está lá, um para o outro, a gente briga, se acerta, ri e diz que se ama, e eu acredito, a gente se ama pra caramba sim. Tenho esses amigos, essas pessoas incríveis que encontrei nos meus tropeços da vida, eles têm as idades mais varias, os jeitos muito únicos, os sorrisos mais lindos, e uma parte muito importante nesse meu livro que chamo de vida. E melhor? a riqueza que todos eles me proporcionaram? essa certeza de que não estou sozinha, que sou dona de uma quantidade imensa de amor, sou destinatária de incontáveis sorrisos e tenho as melhores memórias e histórias. E pensar que tem gente que acha que sou pobre, e não construí nada nesses vinte cinco anos.

Eu demorei duas décadas e meia para ter certeza de que pobreza mental e sentimental, é sim a real pobreza. A verdadeira riqueza, não é todo mundo que conhece, e a maioria, demora bem mais que o tempo que eu necessitei para compreender.