OUTRO HEROI
Não, não se martirize. Você não é o único culpado. Nessa história todos são algozes, vis, bandidos mascarados. Travestidos em togas, engravatados, microfone em punho, caneta, estação de TV e rádio. Você também não é inocente, mesmo não sendo de todo culpado. O seu erro foi aliar-se, coligar-se; andar com demônio abraçado. Mesmo que me diga que era inevitável. Seu erro foi não manter-se vigilante e sempre desconfiado. Agindo com zelo, cercando o desmantelo. Seu erro foi não ter feito a limpeza e deixar para outros o serviço lava-jato. Seu erro foi confiar um segundo apenas; acreditar-se igual a quem sempre o desprezou. Não. Você para eles nunca foi igual a não ser igual aos seus: marginalizados, excluídos. O seu erro foi ter dado a mão e chamado de camarada, amigo, irmão. Logo você! Não sabia que “Em seus papiros Papillon já me dizia / Que nas torturas toda carne se trai / E normalmente, comumente, fatalmente, felizmente…todo nervo se contrai?” Os acordos, contratos e conchavos antes condenados estão sendo feitos já bem debaixo da sua barba, rapaz. E quem já tirou a sua musa, quer agora a sua vida. Outra vida. Minha dor é perceber que apesar de termos feitos tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos...pacatos, indefesos, impotentes, torturados, humilhados. Negros e índios. Escravizados e dizimados. Nossa estrela ofuscada, pouco a pouco se apaga. Não era para ser assim. Não era esse o nosso final feliz. E o mais melancólico é perceber que não existe outro herói que não seja você.