O Caminho das Pedras.
Tenho inveja das Pedras (...)
Vejo os dias através da janela de casa, aqui, do lado de dentro, o tempo é diferente para mim. Lá fora não, lá fora o tempo é igual, único. Ontem saí de casa, notei algo estranho: as casas pelo caminho mudaram suas cores, algumas lojas, das quais eu nunca cheguei a conhecer, fecharam-se, outras mudaram de nome. Subiram muros, desceram postes, cobriram asfaltos, mudaram de tudo lá fora.
Por mais que aqui o tempo tenha passado — digo, eu sei que ele passou, pois estou claramente mais velho, meus cabelos crescem dia pós dia e sinto-me um pouco mais magro —, eu sinto que o tempo em mim não condiz com o tempo lá fora. Guardo comigo a lembrança de uma época não tão distante, nada de muito espetacular, a princípio. Era uma moça, ela estendia suas roupas cantando uma canção e, embora a distância fosse curta, eu não podia ouvi-la, mas me pareceu ser um flashback bem antigo — como os que tocam nas radias durante a madrugada. Ela fechava os olhos ao cantar, não sei o porquê, mas sinto que aquela era sua maneira de contemplar a canção. Seu vestido azul tinha a cor do mar, era longo e justo, tecido fino, dançando ao vento. Eu a via da varanda de casa quase todos os dias: pela manhã ela pouco dava as caras, pela tarde aparecia as vezes, o bom mesmo era vê-la à noite, quando ela passava horas olhando as estrelas.
Hoje já não posso vê-la, o tempo passou e a levou daqui de minhas vistas. Entendi que havia realmente partido quando as cordas do varal foram retiradas de sua casa. O que restou foi um grande pedaço de pedra habitado pelo silêncio, não havia gente, não havia vida, apenas solidão. A vida andou para ela, lhe dando novos rumos... Em algum lugar, quem sabe, ela usa seu vestido azul e, enquanto a tarde cai num céu alaranjado e cintilante, canta sua canção antiga novamente — nunca soube qual era aquela canção.
Estou um pouco mais velho agora, o que vejo da janela são só pedras, lindas pedras que guardam outros seres viventes como eu. Sabe, eu queria ser como as pedras. Elas não pensam, não sentem, não desejam ser nada além delas mesmas, não possuem obrigações com a vida (e o que é vida para a pedra?). Pedra é pedra e sempre será pedra... Não possui consciência de si ou de seu redor. O tempo que agora passa por mim também passa por elas, mas passa por mim deixando uma grande história para trás, diferentemente delas, eu o sinto levando os dias e as pessoas para longe, para onde descansa o eterno. Eu invejo as pedras, pois ainda que façam algo delas — e fazem —, elas serão sempre aquilo que são, e isso, talvez, lhes seja o suficiente. Embora eu saiba que, de uma forma ou de outra, as pedras, também convivem com a solidão de ser nada mais que pedra.