Lone Steve

É assim que vive um solitário. Entra em seu apartamento, se senta em sua poltrona e reflete durante cinco minutos sobre tudo que aconteceu naquele dia. Se levanta, serve uma dose de seu melhor whisky e se senta novamente. Mais cinco minutos se passaram, junto disso, uma longa e dolorosa contemplação ao teto branco. Quantas vezes fitara o lustre da sala? O gosto amadeirado do whisky desce sua traquéia e o faz lembrar de sua época de garoto, quando sua maior preocupação era se aquela menina ainda estava brava com ele. Aliás, será que aquela menina ainda estava brava com ele?

Um barulho seco o acorda, como se um copo vazio caísse no carpete. São vinte e duas horas daquela sexta-feira, foi um dia longo de trabalho em que Steve vociferou durante duas horas com sua equipe. Ele gritava com eles porque cometeram "uma falha inadmissível" quando na verdade aquela voz alta socava sua própria mente, lhe acusando por toda aquela frieza, toda aquela angústia e solidão. Steve era sozinho e a culpa era toda dele.

Mais cedo, naquele dia, Steve estava sentado junto a mesa, na companhia de sua filha mais velha. Ela estava na cidade e combinara de almoçar com ele. Pediram spaghetti italiano numa cantina próxima ao trabalho de Steve e por ali almoçaram e conversaram por alguns minutos:

– Já faz dois anos desde que ela se foi, pai. Você precisa superar, precisa bater na vida com a mesma força que ela vem batendo em você!

– Não sou a mesma pessoa, Jess. Lamento te desapontar.

– Você tem a força que acredita ter, pai. Enquanto se ajoelhar diante da vida ela vai continuar te batendo, cada vez mais forte, até que consiga o que vem buscando!

– Você não sabe o que eu busco! Você não sabe nada sobre mim. Nada!

Com os olhos cheios d'água e um ar de desespero, Jessica deixa a cantina com passos firmes.

Naquela manhã, Steve adiou o despertador por duas vezes, sacrificando a leitura do jornal e o café da manhã sentado. Quando finalmente levantou, tomou banho e café quase que simultaneamente, saiu de casa e deu a partida em sua Mercedez. No caminho do trabalho se viu pensando no longo e cansativo dia que estaria por vir, teria que iniciar um novo projeto no período da manhã, ouvir o sermão de sua filha no almoço e convocar uma reunião à tarde, tudo isso enquanto Like a Rolling Stone toca no rádio – Eu odeio Bob Dylan – pensou em meio ao caos de seus pensamentos. Se viu exausto em pensar nessas coisas, tão exausto que não deu tempo de frear o carro, não antes de acertar a traseira de outro. Discutiu um pouco com o outro motorista, acionou seu seguro e seguiu em sua rota. "Está só começando", pensou em seu otimismo sarcástico.

Um barulho seco o acorda, como se um copo vazio caísse no carpete. Steve então se vê naquela poltrona, enquanto todos se divertem por aí com seus filhos e netos numa reunião de família; Com seu cachorro, passeando nas ruas do bairro ou mesmo num jantar romântico, na região serrana do estado. Se ao menos tivesse vivo, talvez Steve pudesse viver algumas dessas coisas.

– Aonde tudo acabou, Steve?

– Acabou naquele momento que decidi não mais viver minha vida como deveria; Quando deixei que a tristeza tomasse conta de mim e me apodrecesse por dentro, matando cada célula, cada milímetro quadrado de vida dentro de mim. Acabou quando eu passei a apreciar esse sentimento, quando me viciei em senti-lo. Sou dependente dele, minha melancolia me mantém vivo, com toda ironia do termo.

– E onde recomeça, Steve?

O silencio se fez durante alguns segundos e então a resposta:

– Logo mais, quando você não estiver mais aqui.

Marco de Souza
Enviado por Marco de Souza em 02/05/2017
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