Memórias imbríferas

I

Cai desastradamente tal qual anjo caído

Incide sobre o rosto, relembrando tempos de tristeza

Mas, diferentemente, é doce e cadavericamente fria

Rejeita o gosto salgado e a quentura do corpo

II

Meus olhos, espelhos que são, fitam o céu nublado

Refletem, no firmamento, o oblívio das estrelas e da lua

Um lençol titânico que nos protege da luz do paraíso perdido

III

“Trevas” nunca esteve tão bem no plural

Tamanha escuridão não caberia no singular

Que dirá num só sepulcral coração

Recipiente alquímico de conforto e de agonia

IV

Cá, sob o feitiço de tão impetuosa ventania

Sinto o perigo de, por Júpiter, ser fulminado

Junto ao medo da algidez dos ventos hiperbóreos

V

Errabundo, caminho como o noctívago que sou

Esgotando o cálice agridoce de conforto e de agonia

Cortam-me a pele as mil lâminas dos sopros setentrionais

Leve brisa vulnífica, entalha em mim chagas invisíveis

VI

A queda das gotas faz das folhas verdes instrumento

Enquanto a lúgubre flauta sibilante dos ventos dá as notas

Que mesclam-se ao estalar dos galhos secos aos meus pés