A arte de mentir pra si mesmo

Às vezes é necessário que se minta pra si mesmo.

É uma mentira por um segundo. Depois que escapa dos meus lábios e entra nos meus ouvidos, correndo direto para uma suíte em minha mente, não é mais. É verdade. Sempre foi. Cria raízes. Eu minto que a verdade tem raízes, e as raízes crescem, percorrem meu corpo, se tornam verdade.

São essas mentiras medicinais, benéficas, que acalmam, sustentam autoestimas, amizades, casamentos, curam doenças, diminuem dores.

Acordo e pela manhã minto que sou bonita. Ali, eu fico bonita, e sempre fui, e todas as fotos da minha infância e adolescência são belas, artísticas. Viro a cabeça das pessoas na rua quando passo. Inspiro ereções e poemas. No espelho, me transformo. O nariz arrebita, o rosto fino torna-se redondinho, como de uma criança, os olhos ficam brilhantes. Mentiras são feitiços, milagres instantâneos.

Minto que me amo. Me iludo como já me iludiram antes, mas me amo, me amo muito, sou capaz de fazer tudo por mim. Me desejo o melhor, cuido de mim mesma quando estou triste ou doente, potencializo minha felicidade quando feliz, me ponho pra cima, me apoio quando os poemas parecem tortos, me apoio quando os horizontes são tortos, as viagens são poucas, declamo palavras que me transformo. Faço amor comigo. Pinto os lábios a fim de destacar aquilo que me fez eu: a fala, a declamação de literatura, o riso, o sorriso, que sorriso! Me amo tanto que nem sei. Escrevo cartas de amor pra mim. Me levo para assistir filmes maravilhosos, me indico livros geniais. Proclamo poemas para mim mesma. Me visto, me tiro a roupa, me amo nua, de luz acesa, sem maquiagem. Me amo estudando literatura, filosofia, me amo me emocionando diante do infinito, da beleza, da arte. Me amo. Fugiria comigo mesma se pudesse.

Assim, vou mentindo pra mim mesma as melhores verdades, os melhores conselhos, o mundo vai ficando cada vez mais suave, o gosto na minha boca cada vez mais doce, os tapas no rosto cada vez mais leves, até se tornarem carícias.

Minta para si mesmo até que não se reconheça mais.