O Que Há Em Mim.
Em meu corpo carrego um cansaço ancestral, um tédio, que vem desde a minha origem e se estende ao longo de minha existência, que se estende e me abate sempre que penso em levantar da cama. Um tédio não somente de mim, mas de quaisquer outras coisas que não são eu, pois a mim guardo também outro sentimento — um certo desprezo. Esse tédio se alastra pelo corpo, consumindo sua carne, e ossos, e pele, e músculos, um tédio de tédio e simples assim. Um descompromisso, comigo, com todos, com o mundo, e sobretudo, com a vida.
As letras que derramo no papel são flertes ao choro, um desejo, incontido, de cair em lagrimas, mas as lagrimas nunca vêm e os olhos já estão secos e a alma anestesiada, de tudo. Então deito-me em qualquer canto, procuro uma lembrança de quando eu era criança, naquelas manhãs, aquelas em que o sol invade cada pedaço do ambiente, lá eu estava feliz, nelas eu saía pra fora de casa e me deparava com o mundo, nu, cru, porém colorido. Não há nada mais bobo que os olhos inocentes de uma criança, e até pode parecer irônico, eu sei, mas também não há coisa mais bela e sublime — neles a mesmice dos dias não possui espaço.
No centro da sala, as flores estão mortas, no pé da minha cama, o cupim deixa a prova de que a madeira, assim como tudo neste momento em minha vida, um dia se vai. Um dia eu também vou. O tempo passa e a velhice me alcança com mais violência, não a velhice do corpo, e sim a da alma, uma alma que talvez já tenha sido pensada velha, e embora seu corpo esteja meio novo, ela se arrasta pelo chão e pela vida. O que quero dizer, e aqui tentarei ser bem claro, é que chega um momento onde a vida deixa de ser suficiente e na boca se carrega o gosto amargo dos dias. As literaturas já não servem, os amores ficam chatos, os amigos, estes a tempos se fazem ausentes, a quietude torna-se inquietante, e o que sobra é a vida sob a mais pura consciência de sua absoluta e cruel obrigação.
(pausa para um suspiro),
Um tédio de tédio e simples assim.