Comendo com Pecadores
Frequentemente a Bíblia apresenta Deus de maneiras estranhas e bem diferentes daquela ideia comum de um velhinho sentado em um trono no céu com anjinhos em volta tocando harpa. Por exemplo, ela apresenta Deus como uma galinha ajuntando os seus pintinhos, como uma mãe carregando o seu povo no colo ou até como um marido que arde de ciúmes e fica indignado porque a sua esposa o trocou por vários amantes. Lucas 15 apresenta uma dessas facetas estranhas do Senhor: um Deus que come com pecadores.
O capítulo começa dizendo que um grupo de pecadores se reuniu para ouvir Jesus. Os fariseus, que são o grupo religioso mais radical entre os judeus, não gostam de ver Jesus comendo com essas pessoas e falam mal Dele. De fato, a disposição de se afastar de pessoas que vivem no pecado é uma coisa boa, e é isso que torna essa passagem de Jesus comendo com pecadores algo escandaloso. I Corintios 5, por exemplo, nos ordena a nos separarmos daqueles que se dizem cristãos mas que todo mundo sabe que são avarentos, idólatras, bêbados, fofoqueiros, ladrões, etc.. Com esses cristãos que vivem em pecado (ou seja, que pecam, pecam e pecam, mas não se arrependem) Paulo diz: nem sequer comais com eles.
O erro dos fariseus é que esses pecadores vieram para ouvir Jesus, então eles estavam dispostos a se arrepender. Nós devemos nos afastar daquelas pessoas que vivem no pecado, mas daqueles que admitem que são pecadores e querem mudar, ou que estão lutando com o pecado, não. Para explicar isso Jesus contra três parábolas.
Na primeira, a partir do versículo quarto, ele diz: "qual, dentre vós, é o homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la?".
Quando o pastor encontra a ovelha perdida, coloca-a sobre os ombros, cheio de alegria, e leva-a para casa. Então ele reúne os amigos e vizinhos e faz uma festa por causa da ovelha perdida. Então Jesus conclui dizendo no versículo sétimo que há mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.
Deus ama cada um dos Seus filhos de maneira toda especial. Tanto que, se Jesus soubesse que você seria a única pessoa na história que seria salva, Ele certamente teria vindo ao mundo para sofrer, teria sido humilhado e morreria com todo o prazer só para poder te salvar. Porque cada ovelhinha, cada pecador que se arrepende, é importante para Deus. Jesus conta outra parábola que ilustra o que Ele está dizendo, a partir do versículo 8:
"Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas [dracma é uma moeda de ouro ou de prata], se perder uma, não acende a candeia, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la? E, tendo-a achado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque achei a dracma que eu tinha perdido. Eu vos afirmo que, de igual modo, há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende. (8-10)"
É difícil saber exatamente o valor de uma dracma, mas alguns [1] consideram que ela é equivalente a um dia de trabalho de um trabalhador braçal. Para termos uma ideia, o salário mínimo em 2017 é de 937 reais. Em média nós trabalhamos cinco dias por semana, então por dia são cerca de cinquenta reais, arredondando para cima. Logo, é como se a mulher tivesse dez notas de cinquenta e perdesse uma. Você já perdeu uma nota cinquenta ou cem reais em casa? Se sim, deve saber como é a sensação dessa mulher. Jesus está ensinando que Deus se alegra quando um pecador se arrepende mais do que alguém que perdeu uma nota de valor alto e depois encontrou. E nós devemos nos alegrar também.
A terceira parábola é a do filho "gastador", o filho pródigo: Certo homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao pai: "Pai, dá-me a parte dos bens que me cabe" (v. 12). E o pai contou os seus bens e deu uma parte ao filho. Então ele pegou o que o pai lhe deu e foi embora para gastar na farra. Isso já é um início estranho. Que filho pediria para o pai a sua parte na herança com ele ainda vivo? E pior, que pai aceitaria um absurdo desses?
Mas esse não é apenas um mistério dessa parábola, mas um mistério da própria existência humana. Deus deu ao homem todo esse mundo, e nos encheu de muitas bênçãos, mesmo sabendo que nós iríamos usar tudo para o mal. Ele nos deu certa liberdade, mesmo sabendo que com essa liberdade nós iríamos nos destruir. Por quê? Se entendermos isso, podemos entender porque esse pai concedeu ao seu filho a sua parte na herança. Mas não é nosso assunto aqui.
"Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome, e ele começou a passar necessidade. Então, ele foi e se agregou a um dos cidadãos daquela terra, e este o mandou para os seus campos a guardar porcos. Ali, desejava ele fartar-se das alfarrobas que os porcos comiam; mas ninguém lhe dava nada." (14-16)
Alfarroba é um fruto naturalmente doce usado hoje como substituto mais saudável do chocolate. Na época de Jesus ele era usado muito pra alimentar os animais e pessoas muito pobres. Os porcos eram animais imundos para os judeus, não apenas por causa da sujeira, mas por causa das leis religiosas deles. Um judeu que comesse carne de porco, ou sequer tocasse no seu cadáver, ficaria impedido de participar das cerimônias religiosas. Então, para um judeu, cuidar de porcos e até querer comer a comida deles seria o mais baixo de miséria que um ser humano poderia chegar. Foi isso que aconteceu com ele após gastar toda a sua herança, segundo o versículo 30, especialmente com prostitutas.
Como o gastador sai dessa situação? Segundo o versículo 17, ele CAIU EM SI. Ele percebeu que o seu pecado não valeu à pena. Percebeu que na casa do pai havia fartura até para os menores dos empregados. Então decidiu voltar para o pai e dizer (versículos 18 e 19): "Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores".
Note que ele não queria voltar por causa do pai, ele queria voltar porque percebeu a situação ruim em que estava. Considerar as consequências negativas do pecado pode ser o primeiro passo para um arrependimento verdadeiro. Pare por alguns minutos e pense em todas as mazelas que o pecado trouxe para você. Gaste tempo meditando em tudo o que você perdeu por causa dos seus pecados. Quando a gente não percebe a gravidade dele, não conseguimos nos arrepender.
No versículo 20 o gastador levantou e voltou para seu pai. Mas quando este o viu de longe, correu até ele, o abraçou e o beijou. O filho ainda tentou começar aquele seu discurso, mas antes que terminasse de falar o pai mandou trazer a melhor roupa, pôr nele um anel e sandálias, e matar um bezerro bem gordo para fazer um banquete. E ele diz, nos versículos 23-24: "Comamos e regozijemo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado. E começaram a regozijar-se".
Preste atenção no que o pai diz: ele estava perdido e foi achado. Não foi o filho que achou o pai, foi o pai que o encontrou. O filho veio ao pai para ser só um empregado, mas o pai o recebeu de volta como um filho. A ovelha não pôde achar o seu pastor, a dracma não pôde achar a sua dona, e o gastador não pôde voltar à sua posição de filho por conta própria. As três parábolas ilustram a mesma coisa: antes que um pecador venha a Cristo, Cristo veio até ele primeiro.
O filho foi diferente da dracma e da ovelha porque ele tomou a decisão de vir, então você precisa tomar uma decisão de abandonar o seu pecado e obedecer a Jesus. Mas a decisão que o homem toma de se converter e de, todos os dias, preferir Cristo ao pecado é apenas parte de todo um processo – a salvação – que o próprio Deus opera. Não é o homem que está buscando por Deus, é Deus quem está buscando pelo homem. Antes que o homem escolha a Deus, Deus o escolheu primeiro.
Preste atenção, o pai correu em direção ao filho. Provavelmente já era um homem velho. Dono de uma boa propriedade, com muitos empregados, então ele tinha certa postura para manter. Mas ele correu para abraçar e beijar aquele filho que amava mais as prostitutas do que ao pai. Essa é a imagem do amor de Deus por nós. Você talvez possa entender um pouco sobre esse amor se lembrar de alguém que sente muita saudade. Alguém que não vê há muito tempo, alguém que já morreu, ou alguém que mesmo próximo você já não tem mais contato. Imagine se essa pessoa entrasse pela sua porta agora e viesse até você. Você o abraçaria e o beijaria, e talvez choraria. É assim que Deus recebe aqueles que se arrependem dos seus pecados.
Portanto, se você tem algum pecado corriqueiro, algo que você confessa e confessa e promete abandonar, mas continua fazendo, abandone-o hoje mesmo, e Deus te receberá com todo o Seu amor. Porque Deus não apenas recebe pecadores que se arrependem, mas Ele SÓ recebe pecadores que se arrependem. Se você pretende se relacionar com Deus baseado na tua justiça, Ele não vai te receber. Ele só recebe aqueles que reconhecem que precisam de perdão. Jesus disse isso de maneira clara: eu não vim para chamar os justos, eu vim para chamar os pecadores ao arrependimento. As pessoas podem não te perdoar. O seu cônjuge pode não te perdoar. Mas se você se arrepender hoje mesmo, confessar seu pecado e abandoná-lo, Deus te perdoará, e te declarará justo, e te dará de volta muito mais do que o pecado te roubou.
Acredite que o poder de Deus te restaurará. Decida transformar sua vontade e vida em Deus. Clame ao Senhor, como Pedro na tempestade: “salva-me, Senhor!” (cf. Mateus 14.23-34). Admita a tua culpa, não apenas no teu coração, mas confesse-a abertamente, especialmente àquelas pessoas que você prejudicou. Peça perdão a elas e tente curar as feridas que você causou. Seja honesto consigo mesmo e com os outros. Não tente justificar ou desculpar suas ações, confesse teu pecado. Você precisa superar a tua arrogância de achar que pode vencer o vício sozinho. Peça a Deus para remover este hábito da tua vida, como o filho pediu ao pai para tirá-lo daquela situação de miséria.
O Senhor convida a todos nós para um banquete. Nós não podemos entrar nele com os nossos pecados, precisamos abandoná-los, assim como o filho mais novo teve que deixar a farra para trás. Também não podemos entrar nesse banquete achando que nós merecemos estar nele (cf. os versículos 25-32 de Lucas 15), mas confiar unicamente em Cristo, confiar que Ele foi punido pelos nossos pecados e que por isso Ele nos declara justos diante de Deus. Ou seja, para entrar nesse banquete, precisamos nos arrepender e crer.
E o que é, afinal, esse banquete? Bênçãos materiais? O céu? Libertação? Talvez. Mas a principal parte da festa, a principal razão para a nossa alegria hoje e sempre, é a glória de Deus. O próprio Deus é a comida desse banquete. Essa é uma das formas estranhas que a Bíblia apresenta Deus. Pão, água, carne, vinho, vários alimentos são usados para ilustrar a própria presença de Deus. DEUS É O BANQUETE DA NOSSA ALMA. Todas as bênçãos terrenas e celestiais são apenas a maneira como Ele comunica para nós a Sua presença.
Crer é comer desse banquete hoje mesmo, e se arrepender é deixar de fora toda a comida estragada do pecado. A verdadeira fé é a convicção de que Cristo não apenas é confiável, mas é mais desejável do que o pecado. Essa é a chave da restauração, considerar o banquete de Deus como mais desejável do que todas as coisas boas que o pecado promete. Só quando você alcançar essa posição que você será livre.
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[1] Por exemplo, a Cambridge Bible for Schools and Colleges: <http://biblehub.com/commentaries/cambridge/luke/15.htm>