Amigos

Existe um tipo de amizade que é maravilhosamente estranho. São essas amizades que a gente acaba fazendo no dia a dia, enquanto entregamos nossas preciosas horas, para a labuta de encontrar o lugar ao sol na vida. Acontecem nas faculdades, trabalhos, firmas, noites nos bares, fumódromos de festas em geral. É muito comum, muito mesmo. Geralmente rola uma adicionada no facebook, muito de vez em quando, um grupo no whats. Toda vez que se encontram, prometem que vão planejar uma próxima saída juntos, num bar diferente, quem sabe? Mas que nunca acontece, e ninguém se culpa. Essas amizades ocorrem comigo numa facilidade enorme.

Conheci uma menina, 2013 eu acho, numa festa na casa de um amigo. Éramos um grupo de amigos de festa mesmo. Vários finais de semana seguidos, durante uns dois meses, fazendo festa. Cerva de litrão, às vezes quente, por falta de planejamento. Quintal do Zeca Pagodinho rolando a todo vapor, revezando, é claro, com o maravilhoso pagode dos anos 90, e por último, para coroação dessa maravilhosa cena, banho de mangueira na galera. Ela estava lá, no meio de toda essa festa. Tinha feito aquela cirurgia bariátrica uns meses antes, e cada vez perdendo mais peso, e sempre alto astral. Não tinha tempo ruim. Pois é, ano passado, numa tarde qualquer dessa aí, vi a notícia através de publicações de amigos em comum. Fazia tempo que já não nos reuníamos mais. Cada um seguiu seu rumo. E aquela notícia doeu. Suicídio. Na época, poucos sabiam que ela tinha depressão. Eu mesmo não sabia. Eu logo tive também. E quem não está vulnerável a isso, em tempos tão sombrios, né?

Mais hoje, tá doendo. Conheci um casal super maneiro num bar, tempos atrás. O cara era da faculdade de engenharia, dois semestres abaixo do meu acho, não tenho certeza. Rodrigo, ou Morgado como todo mundo o chamava. Era profissional da área de instrumentos de aviação, área comum a que eu trabalhava ainda, na época. Retomamos o projeto Aero juntos, sempre fumando juntos nos intervalos. Volta e meia uma cerva ali perto da facul, ou a gente se esbarrava por ai. Sempre dizíamos que íamos combinar de fazer alguma coisa. Até de fazer um som juntos, de repente. Isso já faz mais de três anos. Todas as vezes que encontrávamos sempre rolava conversas muito interessantes, e sempre engraçadas. Ele e a Dani se casaram. O casal mais descolado que eu já conheci. Uma lindíssima história, digna de jornal, como foi. Faz mais de um mês que a gente se encontrou num bar onde fui tocar. E foi como sempre foram nossos encontros. Muita risada, bom papo e promessas de marcar alguma coisa. E hoje, eu acordo com a notícia de que o Morgado se foi. E tá difícil de dar conta disso.

Há quase dois anos atrás, esse texto poderia ter sido escrito por qualquer amigo meu. Minha mãe e três amigos me impediram. E outros amigos também fizeram parte de tudo isso. Poderia eu também ter feito parte do número de pessoas que escolhem esse caminho, e ninguém pode garantir que nunca vai se sentir tentado a optar por isso também. Hoje estamos bem, mas, e quanto ao amanhã? Nunca se sabe. A depressão é uma doença que ainda não é levada muito a sério, mas que derruba e destrói vidas. A luta para não ceder é diária!

Márcio Filho
Enviado por Márcio Filho em 24/03/2017
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