UM MILÉSIMO DE SEGUNDO DIANTE DA DOR

Essa sensação de quando se sabe oque tem que se fazer diante de uma situação, entrelaçada ao sentimento de impotência, me resulta neste olhar a esmo. Não gosto disso e nem quando me vejo assim, tão paralisada diante da escolha mais óbvia. As forças são sugadas por um instante atemporal, pois diante da dor, e no meu caso atual a da decepção, um milésimo de segundo e a dor parece ser infinita. O corpo sorve, absorve toda a dor e fica ali, filtrando e limpando seus nutrientes e suas impurezas. E de uma forma estranha sinto o tempo passar por mim e diante de mim, ao passo que não me sinto passando pelo tempo. E mesmo sabendo que é um tempo só meu, pessoal, subjetivo e de natureza totalmente intransferível, não o sinto como sendo meu tempo e tão pouco o meu espaço nele.

Não adianta! Por um momento a dor é estática. Quando abre a carne e fere o osso ela é assim. E este milésimo de segundo é o suficiente, é o que arrebata e aparentemente também nos dilacera, nos arrebenta por dentro. A alma anseia por um movimento, um único que a livre daquela sensação inóspita, de purgatório. E apela para os seres divinos, para as altas frequências e para os seres mais iluminados de uma outra dimensão. Tenta obter desta forma algum alívio, quando não encontra ou não tem neste plano terreno, o conforto de um abraço quente, fraterno e sobretudo, humano.

Já senti muitas dores. Muitas causadas pelo mesmo motivo. E mesmo diante da vasta experiência, ainda não consigo me relacionar bem com este um milésimo de segundo diante da dor. Olhe para uma pessoa presa de pé, em um cubo gigantesco de gelo e me verá. A imobilidade mesmo estando de pé e a pele queimada pelo frio, mesmo quando todos os componentes internos do corpo são banhados em sangue fervente, é a selfie que minha alma consegue capturar de momentos como este.

Não há remédios e nem paliativos. Não há drogas e nem vícios. O ser simplesmente resolve que é hora de enxugar não só as lágrimas, mas também de recolher todos os seus aspectos e se contrair, pois vai precisar de novo trabalhar a resiliência. Ele se enxuga porque ele mesmo se encharca. É nesse período que a gente se vacina. Ficamos mais fortes e imunes àquele tipo de dor. Nos precavemos mais, nos blindamos mais também. Mas, sabe? A dor vem como uma espécie de vírus que também se modifica. E mesmo diante de tanta resistência e com todos os alarmes internos dando os mais gritantes sinais de que algo não vai bem, o vírus modificado se ajusta e logo manipula todo o nosso sistema de defesa. E não demora muito nos vemos ali, de novo diante de todo esse complexo mecanismo que é estar um milésimo de segundo diante da dor. E o único pensamento reconfortante de tudo isso, é saber que se não sucumbirmos, oque já estava bom só vai melhorar... Porque é como se diz por aí, oque não nos mata, com certeza nos fortalece...