ABSTRAÇÃO
E naquele dia, deu se início a uma grande guerra nas nuvens. Os ventos de março começaram a soprá-las com toda a sua intensidade, fazendo delinear algumas figuras abstratas e de cores variáveis, que em muito nos lembrava as cores de um arco-íres. Eu, ali, deitado naquele gramado, e, de barriga para cima, podia assistir àquelas cenas com muita nitidez. Sobre o azul daquele tão vasto infinito, eu conseguia visualizar alguns animais de outras eras, ou até mesmo os da nossa fauna como: ratinhos, gatos, cachorros, cavalos, tartarugas, pássaros vermelhos, pica-paus, araras e tucanos entre outros. Os bichos todos falando em várias línguas ao mesmo tempo e com suas vozes bastante alteradas, que daqui mesmo da Terra, eu os podia ouvir com tal clareza, como se quisessem engolir uns aos outros. As vozes se misturaram com as imagens, fazendo as nuvens se carregarem tanto, ao ponto de não mais se conterem em meio a tanta desordem. Até que por fim, acabaram se liquidificando em um grande temporal de lágrimas frias e cristalinas. E assim choveu por uns quatrocentos dias, sem parar nem mesmo, para se tomar um cafezinho coado na hora. Os rios se misturaram com os oceanos e tudo se tornou em um grande planeta água, onde só restava, eu, ali, deitado sobre aquele gramado, agora um pouco úmido, pelo grande volume de água. Eu, já não podia mais, visualizar aqueles bichos todos de outrora, que se misturaram com as nuvens, mas, outro cenário, eu conseguia perceber. Assim, deitado, ali naquele gramado e de barriga para cima, eu via passar por cima de mim, aquele mundaréu todo de água, onde havia algumas tartarugas, algas marinhas, cavalos marinhos, ossos de peixes já degustados, bem como outros peixes, vermelhos, azuis e laranjas entre algumas estrelas do mar. Tudo aquilo me parecia bastante real. Era como se eu estivesse participando, de alguma cena, onde se podiam tocar cada objeto ou os animais que ali eu os via debaixo de tanta água. De repente, surgiu em uma estrada de terra batida, uma bruxa muito feia, que trazia em sua mão direita, uma metralhadora e na mão esquerda uma machadinha, muito bem afiada, que deixava reluzir um grande brilho em seu corte sujo de sangue. A bruxa ainda trazia em suas mãos, a cabeça de um palhaço, que ela havia decapitado há poucos minutos, bem na entrada de uma caverna, onde havia em suas paredes, vários desenhos de dinossauros, dragões voadores e de alguns rostos que se misturavam em cores distintas. Mais para o interior dessa caverna, havia uma velha mulher, curva pelo tempo, e, que trazia em seus cabelos desgrenhados uma flor, tão murcha e seca quanto a ela mesma. E assim como em um passe de mágica, essa anciã, transformou se em uma linda mulher, de aproximadamente trinta e oito anos de idade. Seus cabelos agora já bem cuidados, bem como aquela flor morta, que se refizera qual a Fênix com toda a sua plenipotência. E para minha surpresa, fui convidado por ela, a subir por uma pequena escada, que dava acesso a um porto não muito grande, onde um barco a velas já nos esperava, pronto para dar a partida. Ao adentrarmos nesse barco, fomos recepcionados por alguns músicos, que tocaram para nós dois, uma grande quantidade de músicas clássica, para violino e piano. A noite foi se achegando e à medida que o barco ia ganhando mais velocidade e se distanciando daquele porto, nossos olhos se encantavam, cada vez mais, com o plenilúnio que se dividia com as águas plácidas que iam levando os nossos sonhos encantados. E para que nada caísse no anonimato ou corresse o grande risco de ficar no esquecimento, peguei um pedaço de papel e um lápis, que por ali encontrei, e comecei a escrever o que supostamente, havíamos visto em uma fotocópia colorida de uma obra de arte abstrata que fora produzida por um artista plástico que a criou no ano de 1914.
Estação do Cercado (MG), 13 de março de 2016.