Incompletude

O amarelo é laranja antes de se misturar ao vermelho?

Uma molécula de oxigênio faz a água sem duas moléculas de hidrogênio?

Uma semente é uma criança antes de se juntar ao óvulo?

Da mesma forma que o laranja apenas é laranja com a junção do amarelo e do vermelho (mistura de cores);

Da mesma forma que a água é composta da junção do oxigênio com o hidrogênio (combinação de moléculas);

E que o novo ser só se faz existir quando da junção da semente ao óvulo (formação de novo DNA),

O laranja não é menos laranja por ser de um tom mais fraco;

A água não é menos água pelo fato de uma porção ser constituída apenas por algumas moléculas enquanto outra porção é constituída por milhares de moléculas;

E um ser não é “menos ser” por ser constituído apenas por algumas células;

Pois tudo está no DNA: todas as informações genéticas, todo o código que identifica um ser.

Afinal, quando se colhe o sangue e analisa-se o DNA, é possível saber a quem o sangue especificamente pertence. Desta forma, sabemos que cada DNA é diferente, mesmo entre seres da mesma espécie e inclusive da mesma família que possuem laços consanguíneos.

Assim sendo, seria inconcebível um ser possuir DNA diferente de todos os outros seres e mesmo assim ser considerado um ser inexistente.

Ora, se o código genético do ser é diferente do código de outros seres, isto quer dizer que ele é um ser distinto dos demais e, portanto, tudo o que se fizer contra ele será um atentado à sua única existência e não à existência de outro ser.

Além do mais, têm-se praticado muitos atentados a seres únicos, os quais, por não poderem se defender, sofrem as consequências da justificativa mais usual: eliminá-los é questão de saúde pública. Mas ora... como se pode fazer saúde pública eliminando aqueles a quem a “saúde pública” deveria fazer saudáveis? Pois é fácil eliminar doentes com a desculpa de diminuir a quantidade de doentes. Assim como é mais fácil exterminar crianças inocentes com a desculpa de diminuir a quantidade de crianças vítimas de bandidos. Pois parece ser preferível escolher o destino das crianças antecipadamente e roubar suas vidas agora mesmo do que entrega-las à possibilidade da probabilidade de não terem oportunidades na vida.

Então, se formos guiados por achismos, poderemos todos roubar uns aos outros, pela possibilidade de um dia nos faltar dinheiro. Ou, ainda, poderemos matar nossos filhos pequenos, pela possibilidade de eles se tornarem estupradores quando adultos. Também poderemos, guiados pelas possibilidades, matar nossos vizinhos, pois, um dia, eles podem ter inveja do nosso quintal e querer roubar-nos. E poderemos matar os filhos dos pobres, pois é preferível mata-los do que entregá-los à sociedade. Sobre a possibilidade de ter um futuro feliz? Sim, há essa possibilidade. Sobre a possibilidade de se realizar no trabalho, formar uma família e conhecer hobbies? Sim, também há essa possibilidade. Mas agora não queremos pensar nas possibilidades que este novo ser carrega dentro de si. Queremos apenas pensar na possibilidade de ser um fracassado e sofrer muito na vida, pois assim teremos alguma desculpa para exterminá-lo.

E aqui termina mais um capítulo da hipocrisia “humana”.

E uma última reflexão:

Se queremos ser respeitados, que saibamos respeitar o direito do outro de viver, mesmo que ele não possa se defender e mesmo que ninguém queira defende-lo.