Avessos de nascer e morrer
Morro hoje, e no primeiro minuto de um novo dia, tenho a sensação, de estar meio morto de ontem, recém-nascido hoje e prematuro no meu amanhã. Busco sem sucesso, a contagem de quantas vezes nasci e morri desde que acordei na manhã de ontem; o quanto de mim dessa vida passada ainda será presente no futuro que está ansiando por vir.
Não são perguntas que me faço; são tentativas de viver mais hoje, sem que morra o passado das marcas ainda vivas em mim do meu ontem; das vidas que vivi nos dias que se passaram, e das vezes que não nasci nos novos dias que chegaram. Sinto como se morresse e reencarnasse todos os dias, junto com o dia e a noite; com o fechar e o abrir dos olhos.
Tanto disso para matutar me põe como rei desse tabuleiro, mas em xeque. A mão que me joga é o peso mais pesado, é a lâmina do machado que trago sobre minha cabeça. Maldita consciência; pesada como uma montanha e afiada como uma navalha, indefensável. O próprio peso faz cortar. Talvez não, mas parte do que está morto ainda pulsa.
O morno segue adiante sem esfriar, e quando preciso nascer, o sol nasce junto, e quando preciso morrer, é morno que escureço os dias que vêm. Percebo que os nascimentos e mortes duram tempos diferentes; e que a paz parece ser a reencarnação que a alma busca. Já nascido ou morto, cansado ou disposto, sinto a alma relutar no corpo querendo nascer sem morrer.
Novamente amanhece sem que eu tenha dormido; nasço desse pensamento parecendo não ter morrido, reencarno nesse corpo, nessa manhã, com a carne antiga que trago. Tenho minha estrada na mente, como um mapa apagado e velho, que por ele me oriento e me perco; com a consciência eu o ilumino, e quando não morro, me mato. A própria consciência divide tudo em dois; o vivo e o morto, o reto e o torto.