A escravidão contemporânea

No Brasil, a escravidão acabou há mais de um século, certo!? Depende do ponto de vista do que se entende sobre escravidão.

Se entendermos escravidão apenas como negro e senhor de engenho, Casa-Grande, imagens e histórias que aprendemos na escola, realmente ela acabou, mais precisamente em 13 de maio de 1888. Porém, se for pensar em dias atuais, a situação apenas se transformou, mas sem mudanças profundas na sociedade.

Vamos comparar algumas coisas: se à época da escravidão tradicional os negros africanos vinham nos chamados navios negreiros, hoje, os trabalhadores viajam em transportes superlotados - muitas vezes com poucas condições humanas -, demorando horas da sua casa para o trabalho, com a possibilidade de ser vítima de brigas no trânsito e até dentro da própria condução, assaltos e acidentes. Além disso, é obrigado a aturar o mau-humor do chefe que não entende ou não faz questão de entender seu atraso.

Na escravidão tradicional, o escravo recebia comida para trabalhar de graça para o seu dono. Hoje, somos escravos sem dono. Recebemos o básico para podermos nos alimentarmos e vestirmos (o que nem sempre dá) para trabalharmos e cada vez mais gerarmos lucros para os nossos patrões.

Podemos dizer assim que, na escravidão contemporânea, recebemos um salário para contribuir com o sistema capitalista, ou seja, por exemplo, montamos um carro que vai ser vendido à R$40.000 no mercado, e ganhamos por esse trabalho, um salário de aproximadamente R$2.000 a R$3.000 por mês. Detalhe: se você produzir 2 veículos por mês, a venda vai ser de R$80.000, mas seu salário será o mesmo. É o conceito de mais-valia, que só vale positivamente para os patrões. E ainda com esse mesmo salário, você vai dar entrada na compra de um carro, e pagar prestações a perder de vista.

Me disseram que os políticos me representariam, representariam meus anseios e desejos.

Me disseram que o único caminho para o país ser desenvolvido é investir em educação.

Me disseram que não vale a pena cortar gastos de deputados e senadores, porque estes são apenas uma "minoria" da sociedade.

Me disseram que o trabalhador precisa contribuir mais porque a expectativa de vida do brasileiro aumentou.

Me disseram que há um "rombo" (ou um roubo?) na previdência, mesmo com algumas fontes existentes destinadas à ela.

Me disseram que uma tal de PEC é necessária, mesmo congelando os investimentos em educação e saúde.

Prestei tanta atenção no que me falaram, mas percebi que não me falaram nada, e de tão cansado que fiquei me procurando, achei que estava na hora de me perder.

A Lei do sexagenário nunca esteve tão atual com a reforma da previdência. À época, todo escravo com mais de 65 anos ganhava a liberdade. Era motivo de gargalhada nacional, porque poucos chegavam a essa idade, e mesmo que chegassem, estariam quase mortos e/ou sem perspectivas de uma continuação de vida. Alguma semelhança pode ser mera coincidência.

Há tantas coisas que ouço e faço que não ligo, porque somos milhões de brasileiros e é a vontade de alguns parlamentares é que sempre vale.

É um absurdo de inocência acreditar que a abolição acabaria com a segregação. Não se surpreenda com o apartheid e o soweto na história da África do Sul sem antes conhecer os guetos daqui, porque afinal esse lado do mundo/muro continua como sempre foi.

Assim somos público e não povo, espectadores e não participantes, um povo povoado de contribuições que pouco contribuem para o bem- estar da nação. Tem noção do que é ser nação? Acho que a maioria de nós, não.

Vivemos num conceito de isonomia ilusória, na verdade uma isomeria isolada e quedante na história do país. Ficamos fora do foro privilegiado, lamentando um lamaçal amargo em um rio que já foi doce. Um país gigante por natureza que não acorda, correndo o risco de viver num pesadelo eterno...em berço esplêndido.

Então, podemos dizer que existe sim uma diferença entre a escravidão atual e a tradicional. Enquanto na tradicional o trabalhador não tinha liberdade, hoje temos total liberdade...para contribuir.

Cadu de Souza
Enviado por Cadu de Souza em 03/03/2017
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