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Até que você é interessante.

No alto de seu desinteresse altaneiro, você disse, roendo as laterais das unhas dos polegares e cuspindo as pelinhas - pelezinhas, pequenos pedaços de pele seca nervosa cortados nos caninos - no chão recém-varrido.

Eu ando contabilizando as minhas agonias em substituição à contagem das cagadas que fiz.

Quantas são as que você carrega?

Eu perguntei, no estranho afã de arregalar os olhos para sugar vestígios da sua alma.

O pavor de supermercados.

A geladeira abrupta das mãos em muvucas.

Todo um pânico de gente.

Eu disse que também, antes.

Na escola.

Hoje também. Não hoje "hoje", atualmente.

Eu nunca apresentei um seminário na vida.

Nunca prestei nem pra segurar uma cartolina com as costas apoiadas na lousa.

Deus me livre de gente.

Procuro não pensar nisso.

Hoje eu passo ao largo delas.

Atravesso paredes.

As pessoas que melhor se sucederam ficaram feias demais.

Que tiveram sucesso no que se propuseram a ser e fazer, quero dizer.

Eu tenho agonia quando passo mais de 6 dias sem cortar as unhas.

Tudo me exaspera.

Uma vez eu perguntei pra uma estudante de Psicologia qual era a ligação que as unhas tinham com a parte do cérebro responsável pela irritabilidade.

Porque não é possível!

A festra, fresta, frestra entre os dedos molhadas também me amola.

Aquela crosta que o ser humano acumula na língua cujo nome é saburra, sabe?

Também me irrita. Por menor que seja.

Sim, por isso eu levo escova de dentes pra balada.

Quando vou.

Chupa-se muita bala, masca-se muito chiclete, bebe-se muita cerveja, caipirinha, caipiroska, vinho, catuaba; beija-se muito na boca - ou não -, muita boca que não dá muito bem pra saber aonde esteve antes de estar na da gente.

A língua fica que é um unguento seboso.

Pisar com o pé molhado em chinelo seco ou pisar com o pé seco em chinelo molhado: prefiro a morte.

Pia molhada: não, por favor.

Sim, é por isso que peço que Jesus tenha em seus braços a alma que inventou o rodinho de pia.

Eu falo bastante de Deus e de Jesus e até escrevo o nome Deles com letra maiúscula, mas eu tenho agonia de ser convidado a ir à Seus pretensos templos.

Eu tenho agonia de questões de concurso público que envolvam crase.

Eu tenho agonia de quem disserta com interpelações contínuas (Tá ligado? Tá ligado? Tá ligado?).

TÔ LIGADO NO TEU CU, FILHO DA PUTA.

Agonia de falar caramba, poxa, filho da mãe, teu zóio, fidirapariga.

Eu tenho mania de ter preguiça de retomar diálogos virtuais cortados por necessidades reais urgentes.

Perdi o rumo.

Não sou eu quem fala. Eu nasci pra ouvir.

Não nasci pra ser interessante. Eu nasci pra ser interessado.

Fale, menina.

Sou um caboclo precocemente caduco cuja mente é prenhe de sujidades; tudo aqui, em mim, menina, se converte e converge pra se enveredar pelos caminhos limosos do ser.

Não que eu esteja usando uma máscara sorrindo com meu lindo sorriso; é a aceitação tácita do inelutável vir-a-ser.

Tudo Tende ao Tédio.

Acredita que eu tive a ilusão de que seria um homem livre quando fosse provedor único de meu sustento, não devesse satisfações nem dinheiro a ninguém? Não dá pra ser livre quando não se consegue andar nu, descalço e sem desodorante dentro na própria casa depois de um dia fodido fora dela.

Belas coxas, hein?

Você vai terminar, eu sei.

É minha vez de roer o canto dos polegares.

É estranho antecipar as mágoas e sofrê-las ulteriormente.

Arthur Verocai - Pelas Sombras

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 02/03/2017
Código do texto: T5928697
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