Sobre o sossego

Eu gosto do sossego. De me sentir tranquilo, equilibrado, íntegro. As vezes cobro a tranquilidade, como se ela fosse um direito inato. Um direito que tenho somente por ser honesto, trabalhador, por não mexer com ninguém, não podendo, deste modo, esse direito ser perturbado por nenhum cristão.

Acontece que um dia eu estava assistindo um documentário, desses que mostram o mundo animal. O filme focou boa parte na vida de um bicho preguiça. Um bicho que, pensado bem, agora enquanto escrevo, é encantador. Entre tantos bichos peçonhentos da selva, tantos bichos fortes, agressivos, a preguiça não se abala, carregando consigo uma inabalável serenidade... bom, pelo menos é isso que eu imagino. O fato é que a preguiça não incomoda ninguém, se alimenta somente de vegetais, e se come uma formiga que está no meio de sua fruta, nem é por sua intenção. Mas mesmo assim, a preguiça está submissa às leis da natureza como todos os outros bichos, que matam, que envenenam, que destroem. A mãe natureza não faz distinções entre seus filhos.

O filme falava sobre uma época que chove muito na floresta, e ela, por isso, fica alagada. O bicho preguiça, como todos os animais terrestres nessa época, tem que se virar pra não morrer afogado. Em busca de um lugar seco, tem que se arriscar, descendo de sua árvore alagada, nadando e andando abaixo das árvores, onde é presa fácil de outros animais. O filme todo mostra a jornada do bicho preguiça na busca de uma nova árvore. No fim, depois de muito ralar, a preguiça encontra uma árvore longe da água.

Enquanto vejo na tela a imagem do bicho escalando a sua árvore, o narrador do documentário diz: “Porque uma preguiça escolhe uma árvore em detrimento de outra, ninguém sabe. Há uma ligação entre esse animal e a floresta, que está além da ciência e do raciocínio humano”. Logo o narrador emenda: “Sobretudo, a preguiça precisa subir alto o suficiente para ficar longe das onças e das suçuaranas. Mas agora, enquanto ela sobe na árvore, um predador a observa”. Quando o narrador termina de dizer isso, passa a imagem de um gavião que agarra a preguiça com suas unhas afiadíssimas, e a mata. E nessa hora, começo a desconfiar que o sossego não é um direito nem uma prioridade da nossa natureza.