ESPECTRO

Eu espectro, só uma presença imaginária. Sem um sibilo, nenhum zumbido, silêncio. Seremos sempre mera aparência, ilusão. Sombra, contorno, silhueta incógnita. Um vir-a-ser infinito. Esperança contínua, lacerante, com a duração dos tempos. A dureza do diamante e a imperfeição do granito

Um querer se aproximar sem hoje nem amanhã. Não há porvir, só desejo, pretensão. Sem olhares que se cruzam.

Sem troca de perfumes. Seu calor será apenas fantasia, suposição. Meu hálito ignorado viverá apartado do seu colo.

Nenhum ocaso irá esmaecer iluminando nossos corpos unidos.

Talvez eu a imagine calada, jamais ouvi sua voz. Fonemas mudos, só traços e curvas no éter. Falo por signos surdos, tento passar emoções. Emoções montadas, mosaico de pedras frias. Sem significado próprio, só o todo tem sentido

Meu gesto largo, jamais verá. Sem críticas à forma só ao conteúdo. Seremos sempre mortos em pleno gozo da vida.

Anjo, demônio, não há feições a encarar. Travestidos em pequenas fotos antigas. Máscaras do que realmente somos agora. Somos crentes inventando imagens do paraíso.

Cegos seguindo quem não vê. Não há toque, sentido, pele, arrepio. Não haverá sopro, aroma, nenhum afago

O ar deslocado do seu corpo em movimento

nunca me atingirá. Seus braços nunca cingirão meu corpo,

esquadrinhando minhas curvas côncavas e convexas.

Seus sonhos nunca verão meu rosto. Não há rima nem ritmo onde não há som. Só o eco da minha própria voz.

Eu sou minha companhia na amplidão do espelho.

A melodia não pode ser compartilhada num toque de mãos.

Sua angústia não pode ser serenada. Só há distância

Seu gemido não chega aos meus ouvidos. Nem sei o timbre da sua voz. Qual o tom, a melodia gerada nos seus lábios.

É preciso serenar essa angústia, esse desatino

Desferir um golpe nessa desesperança.

Abrandar esse fatalismo de claustro.