LIBERDADE
Somos livres?
Quando analisamos conceitos fazemo-lo a partir do que já se pensou sobre os mesmos, sua literatura, que conhecemos bem ou mal, ou partimos de uma perturbação, curiosidade ou de um questionamento que fazemos sobre eles.
A liberdade, como tantos outros é uma dessas categorias que fazem pensar. A simples pergunta ‘somos livres ou não somos livres?’, quando analisada de forma reflexiva perturba.
Gosto de recorrer antes de abordar uma palavra à sua definição em alguns dicionários. Serve para me situar em relação ao que a definição sugere e perceber como ela se distancia, muitas vezes, daquilo que a literatura constitui como categoria. Rever sua etimologia pode ajudar na perspectiva que se construiu historicamente sobre um termo. Compreendo que as palavras, suas definições, seus conceitos e os sentidos que lhe são atribuídas têm uma dinâmica que foge do controle da univocidade. Considero a linguagem dinâmica (não viva) devido a interpretações e compreensões singulares que forçam a ambiguidade dos conceitos, suas definições e interpretações.
Para compreender um pouco melhor a liberdade precisamos entender que as palavras (todas) só admitem sentidos quando nos relacionamos com o outro. Conversar comigo mesmo (monólogo), por exemplo, não tem nenhum sentido culturalmente válido, pois para que eu encontre significado preciso dirigir meu monólogo para uma relação com alguém quando o mesmo se transforma em diálogo ou comunicação. Em relação, em comunicação com os outros, as palavras adquirem a forma de sua potência para se transformar, pois cada um pode interpretar de forma diferente uma mesma palavra/conceito mesmo que a fundamentação usada seja a mesma. Há palavras e conceitos que mudam pouco ao longo do tempo e há outras que mudam completamente distanciando-se inclusive da sua etimologia.
Não é intenção aqui, nesse pensamento, discutir a etimologia e nem referir-me a fundamentação sobre o termo liberdade. Ele me chamou atenção em um texto dos muitos que leio e instigou-me registrar a minha percepção, que já antecipo, pode estar totalmente equivocada, mesmo que embasada em algumas leituras. Aliás, na produção do conhecimento, cada vez mais, não sabemos mais até que ponto estamos certos (adequados) ou errados (inadequados). A dúvida me fortalece para seguir explorando dimensões cognitivas ainda deficitárias para minha bagagem.
Somos livres? Não e sim. Não, porque as palavras adquirem sua força, sentido, significado e conceito em relação com a alteridade (outro, objeto, situação). Palavras não carregam o seu significado em si. Todas as palavras foram criadas pela cultura, pelo homem para designar algo, nominar. Para cada objeto, ser, ou situação nova que o homem encontrar na sua jornada em busca de si e da natureza precisa de um nome. Como os objetos não tem nome na sua ‘cara’ precisamos dar um para os mesmos. Assim, os nomes já são uma imposição da cultura. Nosso próprio nome é nos emprestado, não é nosso, nem era de quem o escolheu.
Somos livres sim, para fazer escolhas entre situações. Não precisamos, em muitas ocasiões, aceitar o que nos oferecem, ou o que está posto. Entre opções podemos escolher ou simplesmente não escolher. Porém, não somos livres de tal forma que somos capazes de nos eximir de uma relação, de uma responsabilidade, a de fazer uma escola. Escolher nada, não significa liberdade, e sim, escolher o nada. Nesse sentido, não há liberdade enquanto estou em relação com alguém. Em todas as situações eu preciso tomar posição em relação ao conjunto de variáveis que estão envolvidos na relação. Não há a possibilidade de me isentar.
Temos de compreender a liberdade em relação a algumas, ou muitas dimensões. Por exemplo, socialmente tenho a liberdade de me expressar seja qual for o meu ponto de vista. No entanto, devo ter o senso que não posso dizer o que pode ofender alguém: é a liberdade condicionada, em relação com o outro. A liberdade de me comunicar e comunicar encerra limites. Sempre. Por isso, não há como experimentar a liberdade plena.
Outra forma que defendemos como liberdade é o pensamento. Experimente pensar em algo que não está escrito em algum lugar ou em que você não precisa usar as letras do alfabeto. Pensar e ter de usar algo que não é meu, ou que tem sua origem em algo fora de mim, não pode significar liberdade plena. Nesse caso, sou livre para pensar o que eu quiser, sem que ninguém possa invadir meu pensamento (por enquanto), porém, esse mesmo pensamento está e será uma relação que eu estabeleço, em última instância, com a linguagem. Gosto de pensar na ideia de que somos, em plenitude cultura, somente. Esta, a cultura, é uma criação humana e em desaparecendo a raça humana que a criou, ela também será extinta. A não ser que apareça alguma outra raça, criatura ou seres que tenham a habilidade de decifrá-la. Quero crer que o mais provável é que ela deixara de existir assim que o humano desaparecer. Nesse caso, a liberdade se encerra e se limita na cultura.
Assim, a liberdade ou o ‘ser livre’ insere-se no mundo da linguagem, dos símbolos, sem os quais não haveria comunicação, nem humanização. Nem o reconhecimento de um indivíduo pelo outro para gerar relação. A liberdade consiste assim em buscar uma melhor qualidade nas relações para que essas ampliam as minhas possibilidades de comunicação e expressão das minhas concepções, pontos de vista, ideias e compreensões.
Podemos então compreender que somos livres na medida em que podemos escolher e que não somos livres, pois as escolhas sempre nos limitam em deixar de lado infinitas outras possibilidades. As escolhas, ao mesmo tempo em que são possibilidades, sempre impedem outras escolhas. A liberdade como conquista da humanização ao mesmo tempo liberta o homem diante das escolhas e possibilidades e o limita diante do que não pode apreciar. Ao mediar relações com os outros e com a sociedade como um todo, não concebo mais uma liberdade em sentido pleno e sim em sentido relacional, em comunicação, em respeito com a alteridade. Não escolher é uma impossibilidade, portanto, já uma imposição natural. Escolher não é liberdade, é a única opção que me resta. Logo, posso ter a liberdade de escolher, mas ela ao mesmo tempo me impede de não escolher.
Portanto, seja livre para pensar e discordar do meu pensamento, mas lembre-se, você não poderá ficar sem opção, terá de escolher entre concordar; discordar; ou nada.