Da Memória
O homem, quando passou a ter uma memória passou também a ter um futuro. A eternidade era a casa do mundo. Ele se movimentava sem uma ideia de tempo, não havia um depois, a vida era sempre agora. Com a aparição da memória ele passou a se lembrar. Mas como essa memória veio a ser?
Imaginemos um animal: como implantar uma memória nele? A repetição, o hábito. Segunda pergunta: como foi possível fixar nesse animal, uma memória, já que a força predominante na natureza é o esquecimento? E aqui entra a mais terrível ferramente que o homem já usou sobre si mesmo: menemotécnica. Causa-se uma ferida muito grande no homem, da qual ela não pode se esquecer jamais. Uma vez que por hábito souberam como implanta-la nos outros e em si mesmos. Somente o que não cessa de causar dor permanece na memória. Essa foi a sacada genial do homem. Mas com o que o ferimos? Com a vida! Seu medo. A vida, como ela é, se tornou a ferramenta necessária para marcar o homem com fogo, tornando deste modo a vontade instintiva num "eu" "livre" que tem vontade própria. Porém é um escravo porque sua própria memória, que constitui sua identidade, é sua consciência de existir como um castigo. Existir já é um castigo. E então eu vou me vingar, vou culpar os outros, o mundo, devo julga-los (claro, isso tudo com uma justificativa simbólica) porque eu sofro.
A memória nada mais é que nosso "eu", o pensamento é sua consequência, e determinado pela mesma. E é por isso que estamos sempre ansiosos, há na estrutura de nossa memória um sacrifício, uma força oposta ao esquecimento, uma contradição, pois, na natureza reter é morrer. Tudo se esquece, tudo passa. Nada fica. E não é justamente isso que nos causa sofrimento? Por quê?
Quanto não teve o homem de recortar, deduzir, projetar, limitar, para chegar a criar uma interpretação da existência, e suportar a insegurança da vida e dar um passo seguro. O animal estava se tornando homem.
A ansiedade que vivemos hoje é consequência da vontade de segurança.