Somos uma eterna criança

O ingresso na escola é um momento marcante na vida de todas as crianças. Todos nós, quando abandonamos nossos brinquedos em casa para dar os primeiros passos em direção àquele lugar repleto de outras crianças, somos tomados por uma variedade de sensações que até então não estávamos acostumados a sentir. Alguns sentem timidez e outros ainda choram por quererem permanecer em casa. Mas o fato é que todos precisamos ir.

Chegando lá, a gente aprende as cores, os nomes dos coleguinhas, a amizade e a solidariedade. Aprendemos a correr no recreio e por isso nos machucamos de vez em quando.

Mas aí a gente vai crescendo e vai se tornando preguiçoso. Aos poucos, vamos parando de aprender porque sempre existe aquele colega nerd pelo qual a gente cola na hora da prova.

A vida e a escola têm muitos aspectos em comum. A diferença entre elas é que na escola é possível passar para a próxima etapa dando uma olhada na prova do colega ao lado, afinal, as respostas são as mesmas para todos.

Apesar de a vida também ser uma escola, nós não podemos fazer isso porque cada um se encontra em um patamar diferente da evolução. Conforme o patamar aumenta, a complexidade das perguntas e respostas também aumenta.

Nesse sentido, eu cheguei em uma etapa da vida na qual todas as coisas pareciam não fazer sentido algum. Eu olhava para os lados e não encontrava ninguém fazendo essas mesmas perguntas. O mundo me parecia ser muito vazio, muito triste, sem nexo algum. E as vagas soluções que eventualmente surgiam não eram boas ao ponto de me deixarem satisfeito.

Decidi então percorrer uma trilha solitária em busca de alguma solução. E a resolução mais efetiva que consegui encontrar veio através do aprendizado experimental. Permiti a mim mesmo fazer uma viagem interna com o propósito de compreender melhor aquelas sensações que ainda não tinha saboreado.

Fiz questão de experimentar com precisão todos os sentimentos e dúvidas que até então eu tanto lutava para não encarar. Experimentei a solidão, o choro. Experimentei um turbilhão de questionamentos entrando na minha mente ao mesmo tempo. Experimentei como era passar a noite inteira rolando na cama, como era ver o dia clarear. Não evitei a entrada de nada. Sentei à mesa e degustei todos os pratos, inclusive os mais amargos. Nada parecia fazer sentido. Mas não interrompi o processo.

Algumas vezes até pensei em tirar a minha própria vida. Mas aí eu me lembrei dos meus tempos de escola e me dei conta de que precisaria continuar aprendendo se quisesse alcançar a próxima etapa. Me dei conta de que talvez esse sofrimento seria só uma fase e que tudo passaria. De que se eu encerrasse o meu ciclo de vida naquele exato momento, eu tiraria de mim mesmo a oportunidade de continuar aprendendo.

Depois de toda essa trajetória, aprendi que tudo na vida é apenas um teste. Que as milhares de perguntas internas eram apenas um teste contra a minha inteligência. Que os momentos irritantes de insegurança eram apenas um teste contra a minha confiança. Que os meus picos de ansiedade não passavam de uma prova de força contra o meu equilíbrio interno. Aprendi que tudo na vida vai acabar um dia. As coisas ruins vão acabar e as coisas boas também. Inclusive a própria vida vai acabar.

Hoje em dia não hesito em permitir que os sentimentos entrem e saiam de mim. Pode ser tristeza ou felicidade, vazio ou preenchimento, ansiedade ou paciência. Seja lá qual for, todos são tratados com igualdade. Se tiverem que vir, então que venham. Não barro a sua entrada. Então eles entram e preenchem o espaço dentro de mim. Inclusive o próprio vazio tem a sua hora de aparecer, mas ele é tão respeitado quanto os demais. Cada um tem a sua vez.

Aprendi que todos eles têm uma função a cumprir e tudo que preciso fazer é internalizá-los. O tempo passa e depois que o trabalho é devidamente cumprido eles vão embora. Após isso, me sinto renovado. As coisas ao meu redor parecem fazer mais sentido. Me sinto mais forte, mais sábio; e mais confiante para adentrar na próxima etapa da evolução.

Aprendi que a vida não é um jogo lógico; mas sim um jogo emocional. Por isso devemos olhar até nos olhos dos sentimentos mais revoltantes e perturbadores. Porque eles existem e não podem ser ignorados. Pessoas que não têm a coragem de encarar os próprios sentimentos estão fadadas a passarem o resto de suas vidas frequentando psicólogos e tomando tarja preta. Ao tomarem remédios para esquecer os sentimentos, estão, na verdade, se enganando. Porque quando o efeito do remédio passar, o sentimento volta; e volta mais forte ainda.

Você precisa deixar que eles habitem o seu interior, por mais estranho que eles pareçam. E não se preocupe, pois eles irão embora um dia. A natureza tem seu próprio modo de operar. Tem seu próprio tempo de concluir o trabalho. Apenas respeite. Não tenha medo.

Quando o processo for encerrado, você vai reconhecer que passou. Nesse momento, a maré já estará mais baixa e ficará mais fácil de nadar de volta ao seu ponto de equilíbrio. Mas agora você será uma nova pessoa, porque você adicionou um novo sentimento à sua “estante dos sentimentos”. Você ganhou um novo membro, portanto, cuide bem dele. Da próxima vez que ele vier, posso te assegurar que ele virá mais brando. Ele virá calmo, suave. Não precisará fazer barulho ou forçar a barra para entrar, pois já terá seu lugar reservado.

As pessoas mais felizes do mundo são as que têm a estante mais diversificada possível. Aqueles que vivem para gastar dinheiro com psicólogos e remédios não são capazes de entender essa dinâmica, pois querem a todo custo evitar que novos membros façam parte do grupo. São ingênuos – pois acham que a estante foi projetada exclusivamente para a felicidade. E são infelizes – porque não há felicidade onde não há a beleza da diversidade. Minha cor preferida é o vermelho, mas quão horrível e sem graça seria o mundo se tudo fosse vermelho.

A explicação para isso é que só pode haver suficiente compreensão humana a ponto de comparar as coisas se, antes disso, existir um ponto de referência. Uma pessoa só pode ser classificada como alta se houver uma pessoa baixa como referência. Um carro só pode ser definido como caro se houver, como referência, outro carro barato. Da mesma forma são as emoções e os pensamentos.

Quando você entender isso, verá o quão íntima é a relação entre luz e escuridão; entre felicidade e tristeza, entre paciência e ansiedade. Verá que cada um deles só existe para dar destaque ao seu correspondente extremo oposto. Verá então o quão é lindo e surpreendente poder estar vivo para experimentar a infinidade de sensações que habitam essa existência. Verá o quão vai valer a pena poder passar por todas essas experiências e aprender com elas.

Uma das minhas fortes características é o hábito de observação. Não a observação sobre os detalhes fúteis da rotina doméstica (na qual sou péssimo). Me refiro à observação sobre o funcionamento da realidade que nos cerca.

Quando saio às ruas, observo o vai e vem do aglomerado de pessoas andando na calçada e de carros passando na pista. Observo a sinalização da cidade e os aviões no céu. Vejo ônibus lotados de gente, prédios que parecem não ter mais fim, semáforos abrindo e fechando. Algumas pessoas estão com pressa, outras estão distraídas, outras de mãos dadas. Algumas estão indo trabalhar, outras estão indo se divertir.

Desacelero a mente. Tento não trazer perguntas ou opiniões à tona. Apenas observo. Mas existe uma pergunta que não quer calar: onde vai parar tudo isso? Com toda essa troca de energia diária que o planeta processa, qual será o resultado final?

Às vezes me pergunto se o resultado é zero. Se a resultante de tudo isso for zero, só posso concluir que nada fará sentido. Se assim for, no fim não fará diferença ser honesto ou pilantra, inteligente ou estúpido, benevolente ou carrasco. Pois todas as lições decorrentes das boas e más ações serão neutralizadas pela morte.

Confesso que não tenho a resposta. Mas não estou preocupado. Sei que ela está logo ali, nos próximos níveis da evolução. Não é a hora ainda. Por enquanto, tenho algumas coisas a resolver na etapa em que me encontro hoje.

Após essa jornada, tudo que me resta é continuar aprendendo. Aprender é educativo, é bonito e traz paz ao coração. O aprendizado transforma vidas. Faz dos medrosos os mais corajosos, faz dos pobres os mais ricos e dos inseguros os mais confiantes.

E por meio de toda a infinidade de matéria que há no universo, de todo o conhecimento que o ser humano ainda vai alcançar e de toda a complexidade de variáveis através das quais a existência toma forma, essa realidade que somos obrigados a viver faz do aprendizado um processo incessante. E a aprendizagem incessante faz até do mais sábio dos homens uma eterna criança.

Autor: João Marcos Fraga de Almeida