Quebra-cabeças e o Ubuntu

Além de ser apaixonada pela leitura também adoro montar quebra-cabeças. Gosto do desafio, da distração e da lógica que existe por trás.

Outro dia estava montando um de 6 mil peças e como estava bem difícil porque havia várias possibilidades fiquei pensando sobre essa coisa das diferenças se encaixarem. São peças diferentes, com formatos diferentes e quando juntas formam algo tão bonito e harmônico. De repente pensei se a vida não era da mesma forma. Várias pessoas, várias histórias, várias possibilidades que quando se encaixam formam algo maior do que elas mesmas.

O ubuntu é uma palavra africana que significa “sou porque nós somos”. E ao explicar o Ubuntu, Nelson Mandela diz “o ubuntu não significa que uma pessoa não se preocupe com seu progresso pessoal. A questão é: o meu progresso pessoal está a serviço do progresso da minha comunidade?” Daí pensando na analogia da vida como um quebra-cabeça e nós sendo peças tão diferentes umas das outras não poderíamos nos unir em prol de algo maior sem deixar de sermos quem somos? A prosperidade não faz mais sentido se todos estivéssemos bem? Se todos pudéssemos ter um pouquinho de tudo? Eu sei que a lógica capitalista diz que não há espaço para todos e por isso temos que competir: pela vaga de emprego, pela vaga do vestibular, até pela própria vida as vezes. Mas será que diante das nossas diferenças iríamos querer as mesmas coisas que todo mundo? Será que nosso desejo não é o mesmo porque foi construído assim? Será que todo mundo não deseja ser médico porque na verdade todo mundo não queria ter um salário de médico? Nosso desejo no fundo foi moldado pela crença de que precisamos daquilo porque senão não teremos status, fama, poder? Nosso suposto desejo nos faz acreditar que precisamos trabalhar mais para chegar ao topo e/ou para ter mais. Mas que topo é esse? É a escada que projetamos a partir de nosso autoconhecimento ou o número que somos para estatística? Seus desejos são seus ou são do Facebook? Ou do vizinho que tem a grama mais verde? Será que nos conhecemos bem a ponto de sabermos o que desejamos de verdade? Ou na verdade estamos reproduzindo desejos do inconsciente coletivo?

Não quero entrar em questões políticas e tal, queria refletir sobre coisas menores, coisas cotidianas. Como as trocas que fazemos no nosso dia a dia. Como quando cedemos por alguém que amamos. Não poderíamos aumentar nossa generosidade pela nossa comunidade? Pelo nosso país? Porque só somos cristãos e generosos quando chega o natal? Porque as vidas que passamos o ano ignorando só importa quando chega o falso dia do aniversário de Jesus? Fazemos o bem e somos generosos porque isso é nosso ou porque a convenção social judaico-cristã instituiu isso em nossa sociedade? Se vidas importam porque não importam o tempo todo? Porque não importam na guerra? Porque não importa na hora que escolhemos quem irá falar por nós no congresso? Será que vidas importam ou será que é só a nossa vida e dos nossos amigos que importam? Porque os discursos religiosos são tão universais se apenas poucas pessoas estão usufruindo do melhor?

Como potenciais peças de um imenso quebra-cabeças, há em nós potência de ubuntu... acho que ainda acredito nisso embora por muitos momentos me falte fé nas pessoas e até em mim mesma. O ser humano é uma mistura de tudo que existe na natureza e o que nos separa do sofrimento são nossas escolhas e interesses.

“Se sofremos juntos porque não lutamos juntos? ” Mafalda

Menina Beijaflor
Enviado por Menina Beijaflor em 22/12/2016
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