A busca pelo sentido da vida e deus como variável confundidora

Decidi escrever sobre esse tema depois de ter lido Fausto, uma história popular recontada por Goethe em versos. A história de Fausto se trata de um homem que depois de muito procurar pelo sentido da vida através de muito estudo e muitas leituras, ele não encontra as respostas que procura. Até que Mefisto, ou o diabo, aparece para ele e propõe uma pacto: Fausto dará sua alma ao diabo se ele responder todas as questões em relação ao sentido da vida , assim eles passam a viver várias aventuras juntos, mas Fausto continua sem respostas.

A ideia da história de Fausto me intriga muito. Porque no fundo acredito que é algo que alguns de nós questiona sempre. Alguns de fato procuram essa resposta em vários lugares e quando não encontra escolhe a religião que mais se afeiçoa e a segue. Outras pessoas não se perguntam nada e aceitam as explicações da religião que a mãe/pai deram. Por acaso eu estou no primeiro time. Cresci com uma família espírita kardecista e muitas explicações funcionavam pra mim até que passei a questionar outras coisas, mais profundas, e não me vi satisfeita. Procurei outras coisas, mas cheguei a conclusão de que a instituição religiosa não era um espaço que acolheria pessoas curiosas, inquietas e rebeldes como eu. Eu sempre pergunto o porquê das coisas. E inevitavelmente as religiões uma hora te freiam porque elas também não têm resposta para tudo e quando acham que tem na verdade é um elemento de crença, não é um elemento que se dá por raciocínio lógico. E como eu também sou uma curiosa racional, as coisas precisam fazer sentido pra que eu consiga perpetuar as ideias. Outro problema das religiões é o seu caráter universal, a ideia de que todo mundo é igual e precisa das mesmas coisas me incomoda muito. Isso não funciona pra mim. Querer que todo mundo encaixe nos mesmos padrões é incoerente com a própria existência humana. Somos imperfeitos, assimétricos e reflexo da natureza, não tem porque sermos iguais. Merecemos direitos iguais, mas respeitando nossas diferenças. Equidade o nome disso.

Mas continuando… na época que estava lendo Fausto também estava assistindo ao seriado Lúcifer. Ele estreou ano passado e conta a história do anjo (Lúcifer) que cansou de ficar no inferno e decidiu passar férias na terra. A primeira temporada é legal, cômica, debochada, interessante pra quem não se atém aos significados do que o diabo representa. No episódio 9 da primeira temporada Lúcifer se afeiçoa a um padre (olha a ironia maravilhosa do seriado) que acaba morrendo, indignado ele questiona os propósitos de deus. Ele fala pra deus: “É só um jogo pra você. Eu entendo punição. Ele seguiu suas regras idiotas e ainda assim não foi bom o suficiente. O que precisa pra te agradar? Quebre as regras e cairá. Siga-as e ainda perderá. Não importa se você é um pecador. Não importa se você é um santo. Ninguém pode vencer. Então qual é o objetivo?”

Esse questionamento de Lúcifer na série é muito simbólico, interessante e casa com a ideia do Fausto em alguma medida porque depois que procuramos o sentido da vida na ciência ou em todos os meios possíveis e não encontramos passamos a questionar deus: qual é o objetivo? Vemos pessoas ditas ruins se darem bem, pessoas ditas boas se darem mal e por vezes não entendemos porque as coisas acontecem. Quando simplesmente aceitamos a existência de deus, questionamentos como o de Lúcifer são plausíveis. Quem nunca se perguntou: porque eu? Eu fiz tudo que tá dizendo pra fazer e nada do que eu queria aconteceu! Se deus existe porque nunca temos respostas para aquilo que necessitamos? Vejo a criação de deus pelos humanos como uma necessidade biológica de ter pai e mãe. Precisamos de alguém acima de nós para nos sentirmos mais confortáveis, não órfãos, não abandonados no caos que é o universo e a vida. O sobrenatural é um conforto, conforto de explicações, de medo da morte, de medo da nossa própria vulnerabilidade enquanto seres humanos.

Na série The westworld (já bem mencionada em meus textos) há um momento em que um dos convidados do parque, que frequenta o parque há 30 anos, está em busca do labirinto, que seria o final da história criada em The Westworld. E em algum dos episódios ele diz que vai ao parque e gosta porque tudo que acontece ali tem um motivo de existir ao contrário da vida real que é um caos. Quando buscamos o sentido da vida e não encontramos resposta não tem graça, no ponto de vista do personagem, e no parque a graça estaria nos “desafios” que ele enfrenta para chegar ao final. Onde estaria a graça de viver se no fundo estamos caminhando em direção a lugar algum? É um conflito existencial. Ou criamos nosso próprio sentido, como as religiões fazem muito bem, ou aceitamos que a vida é isso e nos permitimos viver um dia de cada vez sem muitas expectativas. Como Shakespeare em Macbeth: “A vida é uma sombra errante; um pobre comediante que se pavoneia no breve instante que lhe reserva a cena, para depois não ser mais ouvido. É um conto de fadas, que nada significa. Narrado por um idiota cheio de som e fúria”

Inevitavelmente a busca pelo sentido da vida tem um pouco a ver com a vida de planta que mencionei em outro texto. Quando damos a deus toda responsabilidade de nossas vidas além de não termos o controle sobre ela nos conformamos com mais facilidade e ficamos também numa zona de conforto. Dizemos que as coisas deram certo devido a um propósito de deus e quando deram errado a culpa é do Luci. Então no fundo estamos nos eximindo de nossa responsabilidade enquanto seres pensantes. Desculpem-me os belivers mas eu sou muito independente para deixar tudo na mão de deus.

Os crentes e os descrentes não têm resposta pra tudo. Mas talvez os descrentes tenham perguntas para tudo e por isso são incansáveis demais para se aterem a apenas uma linha de raciocínio. As vezes a fé não basta para a razão. Em debates sobre ateísmo com minha família escuto perguntas do tipo “como você explica isso então?” e eu respondo “eu não sei mas a explicação da sua religião também não me satisfaz e eu também não tenho que saber explicar tudo por outro viés até porque se eu soubesse não estaria procurando respostas ainda” e as pessoas nunca entendem o que quero dizer. Provavelmente eu nunca vou encontrar resposta pra tudo que eu quero saber, vou morrer curiosa. Mas o que as discussões sobre deus e/ou religião deveriam entender é que, como já falei no texto sobre preconceito literário, as pessoas são diferentes e tem necessidades diferentes e por isso é obvio que vão procurar lugares diferentes para saciar seu entendimento da vida. O problema da religião é a sua estrita moral e a necessidade de querer que todos obedeçamos aos mesmos valores sendo que vivemos em realidades diferentes. E as vezes impor valores a alguém é como anular a existência daquela pessoa. Toda vez que desejamos que a pessoa que amamos acredite na mesma coisa que nós no fundo estamos anulando aquilo que amamos porque não estamos dando liberdade de ela ser quem ela é. Então você se apaixonou por uma ideia e não por aquela pessoa do jeito dela com os defeitos e qualidades dela. No fundo o mundo seria um lugar de paz senão quiséssemos que todos fossem iguais.

“We’re never gonna win the world. We’re never gonna stop the war

We’re never gonna beat this. If belief is what we’re fighting for.

Nós nunca ganharemos o mundo. Nós nunca pararemos a guerra

Nós nunca superaremos isso. Se é por causa de convicção que estamos lutando”

(Belief – John Mayer)

Menina Beijaflor
Enviado por Menina Beijaflor em 14/12/2016
Reeditado em 18/12/2016
Código do texto: T5853001
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