A SENHORA QUE FALAVA COM O CORAÇÃO . . . (ALMIR PRADO)

Eu conheci uma senhora na fila do banco. Era cega, beirava os noventa anos, roupas simples, braços cansados, mãos trêmulas. Guiada por outro senhor até um assento sem encostos, ao sentá-la, advertiu: “não se mexa, não tem onde se apoiar” e ela movimentou a cabeça para cima e para baixo, num ato involuntário de resposta que também se dirigiu a mim. Ela me disse “oi”, deduzi. E eu a cumprimentei, pensei em abrir um sorriso discreto, algo que transparecesse a alegria em conhecê-la naquele dia frustrante, mas ela não veria. Então apenas respirei fundo, colocando pra dentro de mim o mesmo ar que dividíamos. Era uma maneira singela de compartilhar algo com aquela senhora adorável que me permitiu conhecê-la. No meio da nossa conversa silenciosa minha senha foi chamada e fomos interrompidos pelo atendente apressado que pegou minha conta, contou meu dinheiro, grampeou meus papéis e chamou o próximo. Eu voltei pro banco onde estava sentado e tentei continuar a conversa de onde paramos. Ela sussurrava algumas palavras desalinhadas que completavam barulhos incompreendidos pelas pessoas. “É a idade” o senhor disse. E eu disse “é o coração”, baixinho, só pra ela ouvir. Ela confirmou quando sutilmente ajeitou seus pés enrugados nas suas sandálias tão gastas. Seu coração estava falando tão alto que naquele momento, só um poeta Matemático atrasado que vivia nas nuvens pôde escutá-la. Depois de ouvir tudo o que tinha pra dizer, olhei o relógio e me despedi. Soltei o ar que havia dentro de mim e o compartilhei novamente com aquela adorável senhora que me permitiu conhecê-la. Levantei, guardei minhas contas, ajeitei minha mochila e comecei a andar. Antes de sair, a senhora começou a esfregar suas mãos trêmulas nos braços e mais uma vez, o senhor interviu: “é o frio”. E eu fui até o terminal, peguei o ônibus e cheguei em casa, mas até agora eu consigo sentir toda a doçura do abraço que ela me deu.

Almir Prado
Enviado por Almir Prado em 13/12/2016
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