MINHA AMIGA DEPRESSAO
Minha “amiga” depressão
Quero hoje lhes falar a respeito de alguém que passou a fazer parte da minha vida de maneira arrematadora e plena, já há algum tempo. Alguém que passou a me acompanhar todos os dias da minha vida, mesmo quando eu acreditava que ela estava ausente. Alguém que, independente do meu querer, tornou-se parte integrante da minha história e que alojou-se em mim como se um parasita fosse, ou seria eu o parasita desse alguém? Enfim, falar-lhe-eis de alguém que hoje, ao que parece, é minha melhor amiga.
Ela chegou sem avisar-me, sem pedir-me licença, ou talvez até tenha o feito, no entanto, eu não pude percebe-la antes que ela se mostrasse tão claramente para mim.
Eu já havia ouvido falar dela, conheci, inclusive, algumas pessoas que já a conheciam. Mas para mim, ela não era tão significativa e importante, era apenas um alguém um tanto distante. Ela era e é bastante famosa, pessoas famosas também a conhecem, médicos e estudiosos inclusive a mencionam bastante. Mas somente quando a conheci, pude perceber o quão intensa, prepotente, insistente, metódica, presente, egoísta, monopolizadora, subversiva, possessiva, incondicional ela é...eu poderia caracteriza-la com muitos mais adjetivos, mas ela mesma não me permite, pois me deixa confusa de modo que está sempre me surpreendendo.
O fato é que hoje a conheço bem, não completamente, pois como eu disse, ela é surpreendente. Mas ainda assim a conheço bem. Ela mostrou-se pra mim, mostrou sua cara, sua força, sua imponência. Ahhh, ela é incrível mesmo.
Eu sempre tive facilidade em fazer amigos, mas também sempre tive dificuldade em mantê-los. Talvez por ser essencialmente intensa demais, crítica demais, sincera demais, exigente demais. São muitos “demais” em mim, não é mesmo? Sim, sou do sino de virgem, sabem como é, complicado de explicar-me, inclusive de explicar-me a mim mesma.
Mas esse fato a fez aproxima-se de mim com mais facilidade, é como se eu a tivesse convidado e consentido sua presença em minha vida. Isso mesmo eu a atraí, sou tudo o que ela gosta, insegura, frágil, indecisa, sensível...tudo isso acompanhado da palavra “demais”, que é o que me define.
Mas enfim, ela, não posso dizer com precisão o dia, a semana ou o mês, o que posso dizer é que em dado momento, chegou até mim. Foi sutil, é claro, não é boba. Mas veio. Eu demorei um pouco a perceber que era ela mesmo, pois apesar de já ter ouvido falar dela antes, nunca dei muita importância.
Foi preciso o alerta de alguns conhecidos meus para que eu a visse a ali ao meu lado, caminhando sutilmente comigo, me acompanhando discretamente a todos os lugares e me fazendo companhia nas noites mal dormidas. Como não a enxerguei?
Quando finalmente comecei a percebe-la, ela já estava tão próxima a mim que era simplesmente difícil dizer a ela que não era bem vinda. Foi então que entendi que sozinha eu não conseguiria afastá-la de mim. Seria necessário um profissional daqueles que a conhecia muito bem, a quem eu jamais pensei que um dia recorreria, pois de certa forma, falemos a verdade, sem hipocrisia, há de fato certo preconceito em relação as pessoas que desse profissional necessitam.
Não me restando outra alternativa, pois ela já não somente me acompanhava como de início, mas já fazia parte da minha vida como se a vida dela fosse. Isso, ela já havia conseguido me subjugado e eu já não conseguia diferenciar quem era eu e quem era ela. Foi então que fui atrás de ajuda, mas não foi simplesmente fácil, pois ela também tomava as decisões por mim. E quando finalmente consegui a ajuda, ela não me deixava falar tudo sobre ela, me confundia, fazia parecer que não era nada demais, que era uma determinada situação que me incomodava e não ela, como eu pensava.
Ela ficou furiosa, rebelou-se, mostrou a que veio, de maneira avassaladora me mostrou que estava ali comigo, já não era mais tão discreta, nem tão quanto sutil, pelo contrário, mostrou-se a todos a quem eu a escondia. Fez-se clara a aqueles com quem eu convivia e deixou-me claro também que ela e eu, éramos agora uma só.
Foram necessários alguns medicamentos para acalmá-la. Sim, ela agora estava supostamente controlada, dormia mais, e por consequência, eu também. Estávamos em estado de conforto, mas eu sabia que ela ainda estava ali, pois agora eu já a conhecia bem e podia sentir até sua respiração e distingui-la.
Foi um longo período de quietação, mas sempre no suspense de ela se rebelar de novo.
Quando dei por mim, meio sã, meio acordada, meio fora de mim...percebi o estrago que ela havia feito em minha vida. Ela era tão egoísta, que só me queria pra ela. Era tão prepotente, que afastou de mim os que me rodeavam, restaram poucos sobreviventes, apenas os que me aceitaram com a presença dela. E agora, num estado de suspense e medo que ela acorde subitamente, eu estava ali, repassando minha vida, minha história, agora mais sozinha do que nunca, mesmo havendo pessoas ao meu redor, o vazio é incomensurável. Ela deixou um rastro de destruição dentro de mim e eu ainda sinto a presença dela.
Minha vida já não é mais a mesma. Eu já não me reconheço, as pessoas já não me reconhecem. Eu quase nem consigo me lembrar de quem eu era, com certeza não sei mais quem eu sou e quem eu serei daqui pra frente. Pensar no passado, presente e futuro é algo aterrorizante, diante das incertezas.
Minha amiga, é isso que ela pensa que é, é esse o papel que ela quer assumir em minha vida e, de certa forma, ela obteve êxito em sua missão.
Hoje, demasiadamente cansada, eu a estou deixando viver o seu papel em paz. Talvez assim, sem tantas brigas e lutas frustradas, eu sofra menos.
Ela agora se faz de mais contida, recatada, singela, mas se faz sempre presente em minha vida, acompanha-me em todos os momentos, aconselha-me, mostra-me a vida como ela é. Companheira de todas as horas, na solidão, na tristeza, na alegria, nas comemorações, nas escolhas, nas descobertas...somos inseparáveis. As vezes me permite fechar os olhos e descansar um pouco, ela é muito ativa e exigente, quer-me sempre em prontidão a ela. As vezes me permite sonhar, mas logo me traz de volta a realidade, pois de sonhos ninguém vive, ela é bem centrada e realista. Em alguns momentos me permite sorrir, brincar, soltar-me, parecer feliz, mas só um pouco, pois isso não foi feito pra mim e ela quer me proteger das ilusões.
Ela está aqui agora, realmente se faz presente. É uma amiga mesmo! Bom, ao menos, o que posso dizer é que é a amiga que tenho. A ela eu disse: __ Depressão, eu não escolhi que você fizesse parte da minha vida, não te escolhi como companheira, mas você não me deu escolha, então, se vamos conviver juntas, se a você tenho que aceitar, ao menos me deixe compartilhar um pouco de nossa história juntas. E, portanto, aqui estou, falando um pouquinho de nós duas, com a permissão dela, que por instantes me deu livre arbítrio, mas que ao mesmo tempo fez-se presente nessas palavras.