A tecnologia roubou nossos afetos?

Pensei em escrever sobre isso porque me dei conta da minha agonia em ler livros nos kindles da vida. Quando você lê e-books nesses aparelhos eu tenho a sensação de uma vida asséptica. No e-book o livro não suja porque você tava comendo enquanto lia ou fica molhado porque você chorou e as lágrimas caíram nas últimas páginas. Não tem cheiro da tinta. Não tem tato, não tem dobra, não tem orelha, não tem a sua letra rabiscada num canto de uma passagem que você adorou ou algo que você pensou enquanto lia.

Não estou dizendo que sou contra tecnologias, claro que não, obviamente sem ela nem estaria aqui podendo escrever esses textos. E já imaginou quando a galera escrevia o TCC a mão? Eu amo escrever à mão, mas um TCC não deve ser muito prazeroso. E nem estou querendo dizer que e-books não tenham vantagens. Eles têm muitas. Menos peso na mochila, ocupa menos espaço, dá pra ler deitado sem fazer contorções e cabe sei lá quantos mil livros naquela coisinha minúscula.

Essa reflexão começa no meu afeto pelo tatear, pelo cheiro e pela alegria que sinto quando minha estante fica mais cheias de livros, mas na verdade comecei com um pensamento que me levou a outro... a tecnologia em si e esses afetos que ela nos rouba. A tecnologia me dá uma sensação de que passamos a viver a vida longe de nós mesmos, como querer brincar na lama sem se sujar. Quando penso na criação de robôs, por exemplo, penso naquela imagem de coisas supereficientes fazendo o nosso trabalho sem o nosso drama. Afinal os robôs não faltariam o trabalho por crises de depressão ou crises existenciais sobre qual o seu papel no mundo, não faltaria ao trabalho porque o parente morreu, o filho tá doente, cansaço, estresse. Esse é o ideal de perfeição na nossa sociedade: eficiência sem drama. Como há muito tempo o visionário Aldous Huxley narrou em Admirável mundo novo: “O segredo da nossa sociedade é a estabilidade”. Ficou emocional demais? Toma o soma que o tempo passa e você esquece. Tendo a achar que o melhor da cicatriz é a história. Ou podemos continuar almejando a perfeição trazida por máquinas que além de aumentar nosso ócio nos poupe do trabalho de pensar: afinal pra que viver dentro da vida se ela pode ser só um reflexo agradável do tempo?

dezembro 2016

Menina Beijaflor
Enviado por Menina Beijaflor em 02/12/2016
Código do texto: T5841905
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