O ONTEM E O HOJE

O ano era de 1.989 e eu lembro bem de como eram as ruas. Elas eram de terra batida, mato misturado com gramas e flores pelos cantos em frente as casas. Tinha pessoas com tanta originalidade, que usavam a decoração natural como um jardim frontal de sua moradia.

Sei que na época começava a cantoria de uma banda chamada Guns n Roses com uma música que enfeitiçava, “Patience.”

Nessa época brincávamos muito na rua, jogávamos bola, brincávamos de queimada, bandeirinha, garrafão, bolinha de gude; sentávamos ao entardecer nas calçadas (quando havia) senão sentávamos nas gramas dos jardins, sempre debaixo de alguma sombra de algum pé de alguma coisa, que sempre era de alguma fruta e que hoje é ou raríssima ou caríssima.

Mas não só brincávamos, afinal de contas, eram pessoas, éramos humanos, assim como o somos hoje, nós brigávamos também. Verdade! Brigávamos. Não acredita né? Eu sei também não acredito. Mas era verdade.

Certa vez, eu e meu amigo brigamos. O motivo? Ela ofendeu minha irmã e por conta disso saímos no tapa. Era igual rincha de galo. Primeiro ficávamos rodeando um ao outro, como verdadeiros especialistas em luta de boxe. E o público ficava ao derredor motivando a luta. Afinal de contas, coisa rara era ver dois amigos brigando e quando isso acontecia, a galera ia ao delírio. Uns torciam para o Eddie (eu) e outros torciam para meu amigo (oponente no qual pouparei o nome, pois, por incrível que pareça, venci a luta) e como verdadeiros pugilistas, rodeávamos uns aos outros e mexendo os braços para frente e para trás, meio curvado e mais disparávamos palavras do que socos para ver quem desistia primeiro; até que quase sem querer, algo jogou minhas mãos, pois confesso que não tinha forças e acertei o olho do meu amigo oponente. Pronto, venci a luta. Não sei como eu fiz aquilo. Mas venci.

O genial dessa nossa vida real era que, um ou dois dias depois estávamos lá jogando “pelada”, brincando de pique, ou de “garrafão”, enfim, tudo voltava como era antigamente, pura amizade. “Sem rancor e sem pudor”

Assim era o inicio dos anos 1990 e a banda Guns n Roses estourava nas baladas, o baile funk mudava de figura, saia de um funk melody ou um funk americanizado para um funk mais nosso, mais carioca e mais violento, o CD aparecia “nas paradas” e detonava o vinil, mas estávamos ali curtindo nossas amizades, nossa juventude e nossa vida. Olhando olho no olho, vivenciando os sentimentos e até mesmo, muitas das vezes, sentindo a verdade de cada um. Amigos eram de fato amigos.

Que época! Amizades eram duradouras e sinceras. Quando um se magoava com o outro, depois de alguns dias ou antes, em algumas horas, estávamos de bem. Fazíamos o pacto de não brigar de novo.

Hoje vivemos a decadência humana por conta da ascensão da virtualidade e modernidade. Como pode nos perdemos? Deixar-nos sermos vencidos pelo que “não vemos”?

É de tudo ruim? Não. Claro que não. Quando bem usada a tecnologia é muito bem aceita. Veja você, converso com uma amiga, Ana Isabel, espanhola que mora em Madri e que parece que é minha vizinha. A internet, cometeu o crime de transpor fronteiras, sem pagar um centavo e nos uniu. Isso é formidável!

O problema todo é que aos poucos estamos deixando de “ser-humanos” para “ser-robôs.” E olha que quando criança, pensava em encontrar um robô pelas ruas. “Voilà!”

Olhando para o nosso passado, que não é longe, não está tão distante assim, as amizades eram construídas com aperto de mãos, muita conversação, olho no olho, carinho e afeto, confiança e lealdade e para desfazer de uma amizade, era difícil. Tinha que haver algo de muito grave, a quebra de uma confiança, a deslealdade.

Hoje se faz e desfaz de amizade pelo clique.

A virtualidade nos causou isso e até eu mesmo fui contaminado pelo vírus. Meu HD precisa de uma limpeza, preciso que alguém ou algo atualize minha máquina e que eu consiga voltar a originalidade.

Pois viver com amizades de clique não dá. Imagine só, me aborreceu eu excluo, não curtiu minha foto eu excluo, postou algo que não gosto eu excluo (excluir é acabar com a amizade virtualmente, mas que tem consequências reais).

Fez coisa que não gosto? Eu bloqueio; estou chateado com o “amigo”? Eu bloqueio; (bloquear é o mesmo que sentença de morte, mas com um salvo-conduto virtual. Onde, eu quem sabe, poderei, por minha raça e misericórdia, perdoar-lhe os pecados virtuais e restabelece-lo ao rol de “amigos”. Mas com ressalvas, se bobear, bloquearei novamente.

Bom, não sei dizer se o que dói mais são os socos deferidos e as palavras murmuradas das décadas passadas ou os cliques de hoje de exclui ou bloqueia.