Notícia relâmpago: todos nós vamos morrer!

A sociedade ocidental, me parece, tem muito tabu em discutir qualquer assunto que envolva a morte. Aborto, eutanásia, suicídio, pena de morte. São assuntos ainda carregados de valores morais religiosos que em muitas rodas de discussões preferimos nos calar ou dizer com todo fervor que “Deus não permite” ou “Isso é pecado”. Nunca vejo discussões pensando sobre os problemas de saúde que envolvem um aborto, os recortes de classe, de raça e sem dúvida o fato de ser o corpo considerado feminino o alvo do suposto assassinato. Também não vejo ser discutido eutanásia sob o ponto de vista de quem disse antes de morrer que não gostaria de ficar ligado em uma máquina pra sempre ou sobre os possíveis gastos que um leito de UTI gera sendo o hospital um lugar de cura, de recuperação e não um depósito de corpos, como era na antiguidade (Foucault em “O nascimento do hospital”). Suicídio então nem vou comentar que sequer temos o direito de morrer. O suicida é sempre o egoísta que vai arder no inferno por não ter valorizado a vida mas quando a pessoa tava viva todo mundo falava que era frescura pra chamar atenção.

Pensar sobre morte me faz perguntar: o que é vida afinal? (a resposta talvez apareça em outro texto) Como podemos discorrer sobre valores humanos e vida sem discutir a morte (e vice-versa)? Somos os únicos seres que tem consciência sobre a finitude da própria existência. Isso deveria servir para alguma coisa, mas no geral o que fazemos é nos apegar a explicações sobrenaturais de para onde vamos depois da morte porque admitir que morrer é acabar é demais pra gente. Quando não temos o apego da religião e do sobrenatural temos a medicina, Ah! A medicina! Essa ditadora de tantos valores na sociedade ocidental. O substituto científico do saber religioso. A ciência soberana do sobrenatural.

Recentemente assisti a alguns episódios de um seriado novo chamado Pure Genius. Se trata de um centro médico hiper tecnológico em que o criador, um carinha muito inteligente lá do Vale do Silício, decide que usará de toda tecnologia possível para curar doenças. As pessoas que entram em Bunkerhill são monitoradas o tempo todo para fins terapêuticos. O episódio 4, especificamente, me chamou a atenção. Uma professora de infância de James Bell (o dono do hospital) está com câncer em metástases e para não morrer precisaria fazer uma cirurgia simultânea em todo corpo para tirar todos os tumores ao mesmo tempo. James sugere que vários robôs façam a cirurgia todos ao mesmo tempo, mas o corpo idoso da senhora Gardner pode não aguentar tamanha intervenção. Um dos cirurgiões da equipe diz a James sobre os limites do que se usa para salvar as pessoas, fala que, uma coisa é usar máquinas na medicina outra é usar humanos de cobaias só porque vão morrer. O seriado como um todo faz, a cada episódio, pensarmos não só sobre os limites da medicina, mas também sobre esse medo horrível que temos de morrer. Burlamos a morte o tempo todo com os avanços da tecnologia médica e James Bell é a personificação desse medo da morte. Não estou dizendo que não seja inteligente usarmos a tecnologia para melhorar nossas vidas, mas até onde podemos ir pelo medo de morrer? Você pode congelar corpos, usar robôs e transferir sua consciência para a máquina, como no filme Transcendência, e sei lá o que, mas uma hora o corpo vai parar e ou você vai morrer ou estará preso numa máquina pra sempre. É a nossa condição. Não somos vampiros sedutores de crepúsculo. É uma ideia tentadora, mas quando vamos parar de nos projetar para além de nossas condições? Vivemos num ciclo, num eterno retorno não importa quanto tempo passe, cometendo os mesmos erros, aspirando as mesmas coisas.

Muito inspirada na filosofia de Nietzsche e consequentemente de Schopenhauer, concordo que nosso sofrimento está no duplo desespero de vivermos ou no passado ou no futuro, mas nunca no presente (Palavras de Yalom em seu livro “A cura de Schopenhauer”). Estamos sempre lamentando o que poderíamos ter feito e não fizemos ou queremos voltar e reviver bons momentos; isso quando não estamos projetando nossos planos desejos e felicidades para o futuro: no futuro a tecnologia vai me permitir viver mais e mais bonito, poderemos fazer isso e aquilo; quando eu atingir tal status daí serei feliz de verdade. Tudo isso, a meu ver, é medo da morte. Eu entendi que a morte estava presente desde a minha infância quando perdi meu pai num abrupto acidente. Todos ficaram chocados, anos de desespero, de choro e de “se ele tivesse aqui hoje, seria diferente?”. Anos e anos vendo meus familiares vivendo no passado e eu, sempre que a dor batia, me perguntava o que exatamente estava doendo. Como diz Dona Jacira, mãe do cantor Emicida, na música Crisântemo, “Perder o pai já é uma tragédia, perdê-lo na infância é sentir saudade não do que viveu, mas do que poderia ter vivido”. Então eu estava vivendo num passado-futuro. Meu duplo desespero, que me acompanhou até hoje, quando minha ficha caiu, era de querer voltar atrás e ter aproveitado mais meu pai e ao mesmo tempo querer viver coisas que o futuro não me permitiu, coisas e relações que nunca saberei como são. Hoje, com consciência do meu desespero digo que quero transforma-lo e sair dele, quero transformar meu caos em estrelas. Escrevendo esse texto me dei conta que já o fazia todo tempo em que escrevi ao longo da minha vida. Escrever me conecta com a minha história, não a desprezo e não a enalteço apenas a escrevo. Em versos de poesia ou em pensamentos como esses que ando fazendo por aqui. Escrever é a cura do meu desespero é a minha forma de existir. Mas sei que vou morrer e o que faço com isso todos os dias? Repenso meus atos, minhas escolhas, me ponho consciente todos os dias de que aquele momento é o que vale, nele me faço, desfaço e refaço e a cada letra vou me descobrindo mais um pouco...

novembro 2016

Menina Beijaflor
Enviado por Menina Beijaflor em 29/11/2016
Código do texto: T5838466
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