Plural Singular de Mim
Muitas lembranças vêm à mente. Destas, a que teima em permanecer está a lembrança de ser livre... Sou livre, é verdade. Sou livre pois que só me liberto quando aprisiono. Confesso que, por vezes, desejo as amarras, já que nelas sinto a completude da vida livre que pulsa dentro de mim. Sou assim: plural singular de mim.
Antes fosse livre apenas pelas amarras. Sou livre também pelos desejos: estes me libertam e me condenam. São juízes do tribunal de minha consciência que é presidida por mim e julgada pelas várias pessoas que sou. Assim sou eu escolhendo quem devo ser, ajustando-me às situações e às pessoas. Plural tão singular. Sou assim: plural singular de mim.
Resta-me ainda meu destino: viver na prisão dos campos livres de tudo que planejo na liberdade de ações que limitam apenas a mim. Tenho apenas a ilusão de dominar a todos. Sou assim: plural singular de mim.
Indiscutivelmente, sou singular em um plural único de pessoas e felicidades: pertenço a tudo; pertenço a quem for como sou pela dor da liberdade que sinto em jamais pertencer a alguém; desejo único de ter o aconchego e a segurança de um canto, pelo canto da liberdade de jamais ter um lugar só. Sou só em só ser só tendo a todos sem ter ninguém. Isto me basta, pois que penso que me pertenço sim: plural singular de mim.
Aqui, sento-me e olho mares. Alegria que sinto pelo meu Mar. Sou de alma de sereia que encanta em um Mar que ía e vinha de forma lúdica cantarolando a felicidade e a frustração de quem se atreve a me ouvir: mar que ía, que vem e vai na tranquilidade da força que não sabe o que possui. Marque, apague as dores escritas nas areias de minha pele, coração de sol: mar que ía e vinha pra longe e pra perto de mim, deixando para trás quem me desejou saudades: sou mar no plural singular de mim.
Dentro de minha pluralidade, quero meu singular. No singular de outros, desejo o plural; plural que me complete e que me liberte no plural singular que penso ter.
Além: alí estou eu na pluralidade singular do mar que teima em me chamar; mar que ía, mar que ía, mar que vinha, mar que vem buscar o plural singular de mim nas ondas mornas de água cristalina que molham suavemente meus pés cansados, pés que choram ao pisar nas pedras pequenas de minhas memórias e experiências...
Sofrimento é meu alimento: a pluralidade singular de meus anseios já que sofro de prazer ao crescer e me perceber no completo complexo de minha solidão tão plural.
Antes fosse apenas eu em minha mente; povoa-me os ornamentos de uma vida de pluralismos singulares: hoje, sou livre. Amanhã, quero cárcere. Sou Mar que ía e vinha, trazendo e levando dúvidas, sou como o Mar que é de todos, mas somente alguns me dominam.
Um ou outro, escolho para que me tenham. Estes sou eu quem escolho. Ofereço-lhes o gosto da liberdade calma para, em seguida, forçar-lhes à fúria de uma tempestade silenciosa. Na solidão de mares encontro tolos: sou eu quem os domino... Sufoco-lhes, pois sou Mar que ía e vinha; acalentadora sintonia de sorrisos expressos nos olhos de meus mares. Sou mar, sou alma livre, sou mar que ía e vinha, mareando olhos pelo plural singular de mim.
Domino, pois sou Mar calmo, cuja fúria se deita escondida nas profundezas de minhas verdades escondidas...
Estas são minhas verdades, já que sou Mar que ía, da saúde doentia que vive em querer ter a todos sem a ninguém pertencer; de sal que alimenta o ir e vir de minhas ondas, pois sou eu quem amo sutilmente dominar a quem desejo, oferecendo-lhes o benfazejo, enquanto, por trás das cortinas de minhas águas eu me escondo, rejeitando o amor pelo qual anseio porque sei que não o conheço, vivendo e passando de ponte em ponte, de paixões em paixões, aprisionando a quem desejar minhas ondas, enquanto me liberto por ser o mar que sou, já que sempre serei intensidade no plural singular de mim.