ALGO PARA SE PENSAR
Autodepreciar-se, quem nunca praticou tal ato? Tirar uma nota baixa, trair a confiança de alguém importante, se esquecer de pagar o aluguel e ter que arcar com juros, todas essas são situações onde nós nos repreendemos por errar. Se errar é humano, até onde a autoflagelação, se repreender, é benéfico e a partir de que ponto passa a nos destruir? Porque o ato de errar para, então, tentar novamente, é tão medonho?
Os primeiros passos de nossa espécie na superfície terrestre não foram fáceis, como podemos imaginar. Fome, medo, luta, o desconhecido e a constante luta pela sobrevivência, uma sucessão de eventos passados que culminou no que conhecemos por ‘presente’ - não que os fatos mencionados logo acima tenham mudado muito – o que eu quero expor aqui é, o fato de errar, em nosso não tão distante passado, poderia muito facilmente determinar a morte do indivíduo que errou (morto por um predador, pela tribo rival, por intoxicação alimentar, por um deslize momentâneo durante a escalada de uma montanha, enfim, são muitas possibilidades) e, a partir de inúmeros cenários letais, tentar novamente deixaria de se tornar uma opção viável, afinal, você estará morto. O medo de errar, totalmente palpável na dinâmica realidade urbana, além de acentuado por pressões sociais o tempo todo é algo que carregamos, evolutivamente falando. Não tivemos tempo suficiente de adaptação para compreendermos nosso lugar neste minúsculo ponto azul. Tomemos como exemplo um crocodilo, se analisarmos bem, conseguiremos, em pouco tempo, notar a tranquilidade deste predador em seu habitat. Podemos dizer que o mesmo, por anos a fio e geração após geração, adquiriu uma extensa compreensão de seu lugar na natureza e sabe quais são os limites de sua capacidade em situações naturais; é algo deveras harmonioso. Em contrapartida, nós, em nossa organização desorganizada, acabamos por corromper este quadro adaptativo – a revolução cognitiva teve e ainda tem um papel importante nessa situação toda; por agora não adentrarei este instigante assunto.
Quantas pessoas você conhece ou já ouviu falar que se repreendeu e se autoflagelou tanto a ponto de ficar doente psicologicamente e, por consequência, adoeceu fisicamente? Qual a diferença entre o remédio e o veneno? Essa ultima pergunta é bem conhecida, sua óbvia resposta é: A dose. Talvez, se soubéssemos dosar a quantidade mais ou menos correta de autoflagelação, o que não é nada simples para a grande parte da população, poderíamos viver melhor, entretanto, este não é, definitivamente, um meio viável para se contornar este problema. Fazendo uma comparação, pode-se dizer que a autoflagelação, em níveis baixos, estimula a reflexão autocrítica e a partir destas reflexões o aprendizado será construído paulatinamente. Por outro lado, altas doses de autoflagelação pode acarretar em elevados níveis de autodepreciação, daí em diante, provavelmente, a pessoa acaba por arquitetar uma armadilha mental que irá, vagarosa e dolorosamente, corrompendo sua sanidade. Ca entre nós, não é nada complicado cair nesta armadilha. Levando em consideração as numerosas cascatas de depreciação que ocorrem no dia-a-dia das pessoas, além de inúmeros outros problemas da “vida de adulto”, fica fácil entender o seguinte: Suponhamos uma situação hipotética onde um casal, cada qual em seu ambiente de trabalho, precise lidar com, talvez, aborrecimento de clientes, colegas de trabalhos não tão agradáveis e até comentários desrespeitosos do patrão. Ao termino de um dia de trabalho, ambos retornam à sua casa e, sem intenção alguma, acabam despejando o estresse emocional um no outro o que, ocasionalmente, resulta numa briga – depreciação entre as duas pessoas – e por consequência, o/os filho/os deste casal acabam por receber parte desta carga emocional. É um efeito dominó que propaga negatividade. Esta, por sua vez, se não for controlada, sofre metástase e afeta seu lado emocional de maneira devastadora, doenças, como a depressão, passam a se manifestar. Seu sistema imune enfraquece e doenças oportunistas surgem também – porque meu sistema imune enfraquece? Para lidar com o estresse, seu organismo secreta cortisol (hormônio que tenta lidar com a sobrecarga de estresse) e este possui efeitos imunossupressores.
Se repreender é bom em alguns momentos, porque, então, se amaldiçoar tanto? É como se a pessoa fechasse a própria mente numa minúscula porção do espaço-tempo e resumisse sua própria vida àquilo, ao erro que cometeu. Isso é terrível, você se torna o próprio opressor e seu corpo se torna o cárcere do seu espírito.
Todos erram, ninguém é perfeito, na verdade, se olhar mais afundo perceberá que não existe perfeição. Sinta-se à vontade para chorar, é completamente normal, só não se esqueça de continuar em frente. O medo não é ruim, é através dele que podemos perceber com maior facilidade quais são nossas inseguranças, temores, anseios e desejos, o medo nada mais é do que um meio para se fortalecer. Aprenda algo novo todo dia, permita que as chamas da esperança lhes aqueçam. Possuímos uma vida curta, embora não pareça, singela e complexa ao mesmo tempo. Se ajudem, sejam companheiros; independente de nacionalidade, cor, ideologia, crença ou de quaisquer outras diferenças, nós somos todos humanos e devemos sempre nos lembrar deste gigantesco detalhe que nos mantém unidos.