Tu em minhas memórias póstumas
Ao primeiro sentimento que roeu a carne fria do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança estas minhas memórias.
Depois do fim já não havia mais nada a ser feito. O coração já não pulsava, não gritava, não sentia. A pele fria, a cara pálida, livre de todo o sentimento, agora tomado pelo tempo, sentava na sala, trancava a porta, acendia o cigarro e lhes escrevia. Não tinha mais nada a esconder, nada que valesse a pena, a não ser o próprio passado. Passado esse que agarra firme, que lhe tomava horas em memórias continuas de um defunto enterrado. Não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, copião. Erroneamente fissurado. Escatológico.
Antes do fim, não posso afirmar que realmente existia. Era comum, igual, cometia os mesmo erros, via os mesmo seriados, tinha prazer com as mesmas mulheres, na sua maioria fútil. Dizia que amava. Nunca soube amar. Também era fútil. Só queria a posse, o desejo, a satisfação do prazer. Manipulação. Não era um cara pálida. Corria sangue quente pelas minhas veias porém era morto, morto, morto!
O Homem está onde se ama, e logo fica preso ali. Não seria diferente dessa vez. Tentei não reviver essa memória, confesso. Até sai de cena, dobrei as esquinas e tomei outro curso, só não sabia que aquele era o caminho mais longo para o mesmo lugar.
Eu estava lá, onde amava. Onde eu achava que amava. Bem, eu estava lá, em algum local ao lado dela, segurando sua mão, olhando nos teus olhos e tentando não imagina-la nua. Eu sentia alguma coisa, só que o desejo de ir pra cama com ela era maior, talvez foi o que me manteve ao seu lado por tanto tempo. O equilíbrio do ser é ter a vida afetiva e sexual em harmonia, já dizia Freud. Meu eu, jamais aceitaria confessar isso, se eu já não estivesse figurativamente morto.
Ela se foi, sumiu e nunca mais voltou. Não voltou, não. Partiu meu coração, e eu quis sofrer, eu quis penar, pela minha sede de ser poeta, pela minha fissura em sentir e escrever os meus melhores textos. A dor é inspiradora. O fim é belo quando se é egocêntrico.
Depois de ama-la, amei outra e antes de ama-la também, não houve de fato uma ruptura, talvez uma, a única que não tive, Tamires. Não posso afirmar que era amor. Foram anos, sim, porém quanto mais se desejava, maior era o sentimento. Quanto mais deseja, mais quer ter. E quando se tem não se deseja mais. O sentimento está, quando ainda não se tem. E por ela então deixo em aberto o meu platonismo deslavado. Tinha várias, não quis algumas. E hoje me pergunto se existi. Hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim. Achei que me auto esclarecendo, e dialogando comigo mesmo, me responderia, se eu existi. Os meus feitos, foram feitos, eu morri, não há como voltar. E nem voltaria. Depois do fim não há nada mais a ser feito, a não ser recomeçar.