Comentário sobre a "Escola sem (o) partido (que eu não gosto)"
Só para título de exemplo: a jovem me diz "não, este ano não estou estudando nada, sou rebelde! kkkk". E eu fico pensando "mas não estudar hoje é exatamente se render às delícias do hedonismo fácil, da vida impensada, vida leva eu, pra dizer com Zeca Pagodinho", que é o que o capital precisa e deseja "isso, veja mil vídeos de YouTube engraçadinhos!" (aquela imagem do judeu esfregando as mãos cairia bem aqui). E daí eu fico pensando "tiraram a literatura do ensino médio", por exemplo... Não seria isso um começo de "ser rebelde = ser ignorante"? Eu lembro de Freud, numa palestra. Foi chamado de mestre, escutou o sujeito e começou a resposta "Não me chame de mestre, os verdadeiros mestres da alma humana são os escritores, eu só os li". Não romantizo aqui, a literatura não encerra todo o conhecimento do mundo. Mas se as pessoas não conseguem mais ler livros de Economia, de Política, de Filosofia, porque "não tem imagens" – não estão elas falando igual crianças? O capital nos infantilizou, assim ficamos desprotegidos, ingênuos e hedonistas. Cremos qualquer fantasia que nos é vendida, que nos é empurrada, qualquer meia dúzia de imagens e uma voz de locutor firme, já acreditamos que a notícia é verdadeira, como a criança crê na voz ríspida dos pais e na imagem do chinelo erguido. E com a ascensão de um Luiz Felipe Pondé, por exemplo, um bela dum cretino, exemplar de "filósofo para a classe média alta", eu só consigo temer não poder crer sequer nos livros. É assustador. Por isso eu entendo toda a briga de uns de que se deve mudar o discurso sobre os professores, por exemplo, mas também é preciso mexer nas bases materiais da existência, se não ganharmos salários melhores, jamais seremos valorizados. (Que infernos é aquela Escola Sem Partido? Aquilo sequer deveria tramitar no governo, é simplesmente ridículo, vá no site e verá o absurdo teatro da política brasileira, que já não representa mais nada nem ninguém de dentro do território nacional). "O EscolasemPartido.org – único site em língua portuguesa «inteiramente dedicado ao problema da instrumentalização do ensino para fins políticos e ideológicos» – foi criado para mostrar que esse problema não apenas existe, como está presente, de algum modo, em praticamente todas as instituições de ensino do país." (Retirado do próprio site, grifo meu). Como assim "inteiramente dedicado ao problema da instrumentalização do ensino para fins políticos e ideológicos"?! Há vídeos de "denúncia de flagrante", contudo, não é uma lei, o que constitui dupla ação ilegal, tanto por «Uso indevido de imagem alheia (Lei nº 5.988/73)» quanto por «Denunciação caluniosa (Lei nº 10.028/00)». Para além disso, trata-se de uma irracionalidade descontrolada, pois nunca tivemos tantas pessoas religiosas como em 2015 (muito mais que num momento flagrantemente conservador, como em 1968). São completamente incapazes de conceber a contradição interna à sua própria argumentação, qual seja: se houve, de fato, doutrinação, onde está o exército revolucionário, a força dos sindicatos, a grande virada social esperada? Se houve doutrinação, como eles mesmos são contrários a ela e escaparam dela? Se ela é escapável, então não há o que temer, pois não pode se sobrepor ao pensamento do indivíduo, à sua individualidade irredutível. É, portanto, meramente uma jogada ideológica disfarçada de neutralidade – como foi a "passeata contra a corrupção" (afinal, toda a gente é contrária à corrupção, até o corrupto!).