BARRABÁS

Tive muitas dúvidas sobre qual categoria incluir o texto que estou escrevendo. Não é uma crônica, porque não se trata apenas de um relato sobre o cotidiano, não é um ensaio porque não tem o rigor científico necessário para isto. Acabou entrando em pensamentos, apesar de ser um pouco extenso para o estilo.

Há alguns dias ouvi um hino religioso sobre Barrabás. Nele a figura histórica é retratada como uma pessoa maligna e o ouvinte é convidado a escolher as coisas celestes ao invés dos crimes terrenos. Existe um livro, ganhador do prêmio Nobel de 51, escrito pelo sueco Pär Lagerkvist, que o descreve como um marginal simplório, que passa o resto da vida atormentado pelo fato de ter sido escolhido para viver ao invés de Jesus. Eu, particularmente, acredito na em uma versão calcada na historiografia moderna. Ele era um tipo de guerrilheiro que lutava contra o domínio do Império Romano. O verdadeiro crime que os judeus presentes quando os dois foram apresentados cometeram, teria sido escolher a perspectiva da liberdade terrena ao invés da liberdade celeste. Esta escolha culminará na Diáspora 40 anos depois e na destruição do templo e de seus despojos serem utilizados para a construção do Coliseu. Como está no Evangelho de Lucas, cap 21, ver 6: "Dias virão que destas coisas que vedes não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído". E outras partes dos Evangelhos que falam sobre uma grande tribulação. E que muitos pregadores usam (eu acho que de forma errada) para anunciar o Juízo Final (no qual eu creio).

Eu vejo nisso um aviso de nosso Salvador para que não se misture sua mensagem com a política. Política no sentido do cuidado com as instituições públicas e com as coisas do mundo. Maquiavel percebe isso claramente quando diz que prefere ir para o inferno do que ver a desgraça de sua cidade (Florença). Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Mas aqui também faço um parenteses. Acredito na doutrina evangélica de uma forma meio católica. O mundo, a sociedade e as pessoas mudam. E Deus, mesmo sendo sempre o mesmo, transmite sua mensagem de formas diferentes para que nós possamos escutar. Agostinho de Hipona foi essencial ao Cristianismo quando, em sua obra Cidade de Deus, formulou as bases para que a igreja assumisse as responsabilidades do antigo Império Romano quando este caiu. Sem isso a doutrina de Jesus provavelmente não teria sobrevivido na Europa Ocidental. E esta dificilmente teria se expandido sem a obra monástica de Bento de Núrsia. Falem o que quiserem, mas as Cruzadas, inicialmente conclamadas pelo papa Urbano II, foram importantes também para a revitalização da fé. Depois, em uma época em que a burguesia se expandia e os sacerdotes se aplicavam mais nos rituais do que na essência do Evangelho, aparece Francisco de Assis. Segundo a tradição, inicia sua vida religiosa ao ter uma visão de uma igreja em péssimo estado e escuta uma voz que diz: "Minha casa está em ruínas. Restaure-a". Paro por aqui. Os exemplos são inúmeros e fujo da ideia original. O que quis demonstrar com todos esses exemplos, é que é importante a participação política do cristão, segundo as necessidades de sua época ou lugar. Todos os sacerdotes, de qualquer denominação, que não se rebelaram de alguma forma durante o regime nazista ou stalinista (mesmo que fosse fingindo colaborar para conseguir salvar algumas vidas), falharam. Um determinado grau de envolvimento nos rumos da sociedade é necessário, até para preservar a liberdade de se cultuar a Deus e ensinar nossos filhos segundo o que acreditamos. Mas sempre com muita cautela. Me enoja a quantidade de pastores e missionários que aparecem em cada eleição. Nada contra eles serem candidatos, mas que tenham a decência de não usarem seus "títulos" para tentar se eleger.

Talvez devesse tratar do próximo tema em outro texto, mas já que estamos aqui. No Evangelho de Lucas, cap 23, ver 39 ao 43, é descrito como Jesus foi crucificado entre dois ladrões. Um o escarnecia, o outro repreendeu seu colega e pediu ao Salvador que se lembrasse dele quando estivesse em seu reino. O Mestre respondeu:"Ainda hoje estarás comigo no Paraíso". Até para poder ter um mínimo de esperança, eu creio que o Senhor é Deus de misericórdia, santidade e justiça. Nesta ordem! Acabei de saber de um caso de uma menina que apaixonada, seguiu seu namorado até uma área de tráfico depois que ele voltou a usar drogas. As próprias pessoas do lugar a mandaram de volta para sua casa. As pessoas da igreja que ela frequenta comentavam o fato admiradas. Infelizmente (ou não), aquilo para mim não era de forma alguma estranho. Já presenciei fatos semelhantes inúmeras vezes. Em locais de uso de drogas ou de criminalidade as pessoas do lugar mandarem gente de volta para seus lares, pagando a passagem ou algumas vezes até as coagindo. Por simples caridade. No meio da cracolândia em São Paulo, quando se está passando uma criança, começasse a gritar: "Olha o anjo! Olha o ar do anjo!". Todos param de usar e escondem seus cachimbos (quem não faz periga apanhar). E esta não é uma ordem dos "chefes", é algo que nasceu e ocorre naturalmente. Todos os lugares em que já vi, se aparecer um parente procurando alguém, os viciados e criminosos ajudam a procurar (a maioria, sempre há aqueles que tentam explorar o desespero da pessoa). Via de regra esses familiares não são molestados. Já vi senhoras idosas que levam pão e chocolate de manhã para usuários de crack e que aproveitam do momento que estão servindo-os para falar da Palavra de Deus. E são escutadas com respeito (aí daquele que não respeitar). Fora inúmeras vezes que vi atos de caridade entre eles e até com pessoas de fora. Não quero fazer uma apologia cínica da marginalidade, como é muito comum. O bom seria que ninguém vivesse nestas condições, aprisionados pela miséria ou pelo vício. E onde eles dominam não é lugar para fazer turismo. Mas assim como na parábola dos dois homens que foram ao templo, um fariseu e outro pecador, e que Jesus diz que aquele que sabe que está errado é o que sai justificado, também é nestes lugares. Eu tenho comigo, e posso estar errado, que Deus está em todos os lugares deste mundo, do mais sublime ao mais pérfido. E o inimigo também. Não será confiar na própria santidade uma forma de vaidade? Afinal, como está escrito em 1Pedro, cap 4, ver 8:"Antes de tudo, mantende entre vós uma ardente caridade, porque a caridade encobre a multidão de pecados". E o nóia que nos assalta ou que nos pede dinheiro hoje, pode ser o nosso pastor, cooperador ou padre amanhã...

Aristoteles da Silva
Enviado por Aristoteles da Silva em 16/10/2016
Código do texto: T5793317
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