Pela janela daquele Chevette '79.
Na infância, quando fazia pseudo-viagens em família. Geralmente sentaod do lado esquerdo do branco traseiro daquele Chevette '79 ficava olhando aquelas minhas mãos pequenas e pensando que aquilo era uma casca, uma veste. Eu mesmo, eu, você e todos nós estávamos de fato dentro do corpo. Ele na verdade só servia para que a gente conseguisse segurar os copos, chutar as bolas e pular as queimadas.
Longe de uma teoria espiritual (dogmas esses que desde pequeno nunca consegui compreender e seguir). Ficava ali olhando aquelas mãos, aquelas pernas sentadas e pensava: "Nossa eu estou aqui, não sei pq cargas d´água eu estou aqui ocupando esse corpo, selecionado entre tantos e tantos para estar aqui agora e vendo esse campo beirando a estrada. Eu estou aqui. Antes de mim muito viram esse céu, muitos sentiram essa chuva e depois que eu passar muitos ainda vão perceber tudo".
E eu era absorvido por tudo isso. E era capaz de ficar envolto nisso por um longo tempo...
E depois que comecei a com isso passei a pensar quem é que estava dentro daqueles corpos e por de trás daqueles olhos que conviviam comigo, que segredos guardavam? Logo como aquelas que passaram nós também vamos passar e agora com mais de trinta eu percebo que passa rápido demais. E temos de fazer valer a pena essa fração de tempo que estamos aqui que estamos juntos, pois logo esse corpo começa a ratear e falha de vez. E a paisagem que passa rápido na estrada e a chuva fina do fim de tarde estarão a disposição apenas para que virão.